MENINA DA CALÇADA
Sempre que passo na rua “Coronel Francisco Rocha” a pé ou de bicicleta ou ainda de veículo motorizado - de dia ou de noite - verifico a menina empunhando um caderno ou folha qualquer, esforçando-se por ler ou escrever, assentada, do lado de fora, no único degrau existente na parte externa de sua casa, mais especificamente, junto à calçada que dá acesso à mencionada rua, nesta pequena cidade interiorana, do Espírito Santo, no Sudeste deste país gigante.
Pode até aproximar-se o escurinho da noite, com pouca luz no poste de iluminação pública, encravado a alguns metros de sua residência, ainda assim, a gente vislumbra, ali, a tal menina sentada na mencionada saliência (degrau de entrada) com os pés na calçada, de alma absorta, inclinando-se e esforçando-se para esboçar alguma coisa nas pautas de seu papelete.
Às vezes está acompanhada de alguma criança menor, ao seu lado, mas na maioria das vezes, ela se posta ali, sozinha, absorta e tranqüila.
Sempre a vejo lendo ou escrevendo, pouco ligando para contemplar alguém que passa, esbaforindo ar de indiferença, sem, no mínimo, alguém despertar-lhe a atenção!
Quem a contempla nessa sua postura diária ou periodicamente, passa a entender que talvez não tenha, em seu lar, alguma mesa ou carteira qualquer. Mas não é bem assim, pois há mesas de sobra para seu uso em casa! Trata-se apenas de hábito e gosto de quem quer se divertir e concentrar-se simultaneamente ao ar livre, fora de casa, já que sua casa não possui varanda do tipo “sacada”, para ela curtir um panorama público diante de uma praça ou de uma rua, tal como ela almeja!
A gente passa, dirigindo-lhe a palavra: “Menina, não leia no escuro, faz mal para as vistas!”. Ela dizia apenas que estava acostumada e que não há problemas! E continua sempre lá! Dia após dia! Não sei até quando!
De tempos em tempos a cena se repete! De caderno em punho, caneta ou lápis entre os dedos e os olhos fixos no papel, fazendo questão de segurá-los com força, para rabiscar algumas linhas ou desenhar o que passa pela sua cabecinha, satisfazendo sua deleitável vontade de realizar algo que é fruto de sua imaginação!
Quem vê esta cena pela primeira vez, sente pena, passando pela cabeça da gente que aquela criaturinha tem carência de móvel adequado em casa ou falta de informação de quem não liga a mínima pela postura correta de que se deve ter ao se dispor em ler e estudar! A gente até compreende, mas dificilmente aceita! Fazer o quê? Ela gosta dessa postura! É o seu prazer!
E com isso se configura um quadro assaz interessante da vida cotidiana desta menina que sempre me chamou a atenção, pois ela é mais feliz que as muitas que estão nas calçadas da vida, na mendicância ou na entrega do corpo para “ganhar a vida”, com um futuro nada promissor, neste país das disparidades sociais em muitos sentidos! Muito mais que isso, neste país onde muitos são divorciados de Deus, exploradores de indefesos e de pessoas menos avisada ou de poucas ou quase nenhuma informação das coisas que agradam a Deus!
Muniz Freire, 04 de março de 2005
Fernando Lúcio Júnior