A TRAGÉDIA DE CORIOLANO - Trecho do Ato III, Cena I (tradução de Shakespeare)
CORIOLANO
Quem quer que seja que teve a idéia de distribuir grãos dos depósitos de graça aos pobres, como era às vezes de usança na Grécia,--
MENÊNIO
Já não há mais disso!
CORIOLANO
--muito embora naqueles tempos os plebeus tivessem mais poder, esse poder não lhes saía melhor do que o poder de um Estado em ruínas, como terminam todos os alimentados pela discórdia.
BRUTO
E quê, então? Devia o povo ceder sua soberania a pelintras que gastam assim a saliva?
CORIOLANO
Eu estou do lado da razão, o que vale muito mais que discursos vazios. O povo sabe muito bem que jamais receberia comida à boca, por ser uma multidão de ingratos! Instados a defender o Estado na guerra, até se o umbigo de Roma fosse corrompido, eles nem por isso atravessariam armados os portões da cidade! Essa conduta não merece pão! Isso quando não iam à guerra, só para se amotinar e revoltar, o que não lhes concede, idem, muito valor! Antes de acusarem o senado, sem qualquer prerrogativa, deviam se arranjar um bom advogado! Como acabaria esse gado ingrato, esse cão infiel, digerindo nossa cortesia?! Eles pensam não estar em falta quando dizem: “Exigimi-lo; nós somos a razão de ser da aristocracia, então ela terá de ceder!” É assim que a degradação enfim invade o Capitólio e que viramos reféns da ralé! Nossa temperança se torna medo; cedo desmorona o púlpito, e a Águia de Zeus acaba devorada às bicadelas por corvos desprezíveis – o mais inverossímil contra-senso!
MENÊNIO
Vamos, Coriolano, já chega.
BRUTO
Não só já chega como já passou muito da conta!
CORIOLANO
Não, ouçam mais estas razões: que os homens e que o Olimpo testemunhem este perjúrio: onde uns menosprezam justificadamente, e outros insultam gratuitamente, onde nobreza, honra, sabedoria, já não podem prosperar senão segundo o Sim e o Não de uma massa ignara;-- o que é importante já se perdeu, só restou a mais inconstante vileza: sociedade despropositada, significa que nada mais faz sentido! Prostrem-se, pois!-- Vocês, que antes agem temerariamente que com discrição, que amam em primeiro lugar o topo, sem se perguntar o que se deve fazer para lá chegar, virtuosamente!-- Vocês, sequiosos da boa-vida mas não da vida longa, sedentos pela incontinência, isentos de saúde e auto-controle, vocês jogam o corpo fora; assim como vocês fazem com a seiva do governo, drenando-a, façam de uma vez com que acabe o falatório! Arranquem fora suas línguas! Não permitam que esse órgão tão sensível, com donos tão torpes, prove do doce que é na verdade puro veneno: sua degenerescência desfigura o juízo e deprava o Estado! Toda a unidade esfarelaria nas mãos de quem não tem o poder de fazer o bem!
BRUTO
Ele já disse o bastante.
SICÍNIO
E falou como um traidor, e agora deve responder como os traidores respondem!
CORIOLANO
Celerados! Passam da medida no despeito! O que faz o populacho confiando nesses dois tribunos da plebe de cabeça oca? Se o povo só se contenta ao se revoltar, como pode ter arautos, arlequins, que assim como eles são incapazes de obedecer qualquer princípio? Na desordem, em que o mais necessário, mas o mais ausente, é a lei, foram esses dois eleitos: em boa hora, façamos o Direito prevalecer e arremessemo-los na lama do olvido!
BRUTO
É um traidor descarado!
SICÍNIO
Não, por Zeus, que isto é um cônsul!