POÉTICA E CONFRATERNIDADE

O poema deve ser o laço fraterno de união espiritual entre o gênero humano, todavia quanto mais prestígio e leituras obtiver o poeta-autor, menos terá como saber quem é o seu poeta-leitor. Contudo, mesmo ausente a ligação presencial, o culto à figura de seu irmão em estado de confraternidade, ainda que inidentificável nominalmente, há que se fazer presente o respeito aos postulados da arte e do que dela pode provir. E é o olhar do leitor que vai dar vida ao poema, porque sem este, ele é apenas matéria morta. Confraternizar não é apenas o gesto, e sim a cabeça voltada para o bem do outro. No coração, o respeito pela criatura humana, a fidedignidade de estar solidário, disposto a auxiliar, a ajudar o semelhante. Na verdade, mexer com Poesia, fazer o poema, é muito mais do que um jactar-se assentado no subjetivismo estético, e sim algo como o crístico "Amai-vos uns aos outros", mesmo que não creiamos nos postulados das escrituras ou não se tenha convicção ou fé. Mas, enfim, o poeta é apenas mais um artista "rampli de soi même", isto é, "cheio de si mesmo", fechado em sua arte de dizer individuada pelo registro gráfico, sendo o poema a sua subjetividade momentânea eivada do Belo estético dos que chegaram a um patamar culto dos domínios da burguesia? E como fica o poeta-proletário que canta a injustiça social? Entendo que é uma questão diferencial entre os viventes de todas as gerações de bardos lambuzados pela Poesia, porque assentados no sentir altruísta e solidário. Afinal, como se aceitar um autor com a Poesia nos seus alforjes (em regra muito vazios de bens e pecúnia) se ele tem somente ganas de se mostrar competitivamente como dono de uma parte geracional do sentir poético de sua contemporaneidade? Não consigo antever a Poesia na arte escritural daqueles do lugar comum da vida, estes que aceitam todos os rótulos da geração atual, cujos valores se assentam no "levar vantagem em tudo", no "amealhar o mais que for possível", no "competir sem nenhuma regra ética”, especialmente os que pisam sobre a cabeça de seu irmão de confraria e de desígnios, fazendo deste agir a regra da competição desenfreada, vergonhosa, que a tudo se permite para atingir o sucesso da fácil popularidade. O bom poeta sabe que tem de ser solidário, mesmo que a sua arte tenha de ser sumamente individual no presente para resistir à posteridade. Tudo isto nascido de uma axiologia peculiar que consigo perceber nos grandes vates da humanidade, em diversos idiomas. É a este agir que denomino de Confraternidade. E mais, percebo uma tônica muito definidora, especialmente nos poetas amadurecidos: é esta axiologia altruísta e densamente humana que pode vir a construir – quando menos se espera, sem nenhum aviso – o poema que se torna imortal para o gênero humano. A imortalidade não condiz com a figura do poeta e sim com a sua obra. É ela que, por ser de raiz fraterna, produz a metáfora plena dos homens e mulheres que são condutores espirituais da genialidade (deambulam juntos) em determinado momento, e no mesmo plano terreno, todavia de há muito ultrapassaram o lugar comum da axiologia pífia que jamais conduzirá a atos-fatos mudancistas a favor da humanidade, especialmente os excluídos de todos os gêneros. Mesmo que a literatura não se destine a interferir diretamente no mundo dos fatos, melhoremos o mundo e teremos uma humanidade melhor, mais fraterna e solidária. E que a discórdia, a animosidade beligerante até ao enfrentamento do guerrear, tanto individual quanto coletivo seja a exceção, e não a regra do combate corpo a corpo entre os condenados à vida em sociedade, num determinado momento da humanidade. É este o supremo registro verbal, o máximo desejo dos poetas comprometidos com a fraternidade, no decorrer dos tempos.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-literatura/6377641

Joaquim Moncks
Enviado por Joaquim Moncks em 30/06/2018
Reeditado em 30/06/2018
Código do texto: T6377641
Classificação de conteúdo: seguro