O GRITO DA POESIA

“O CEGO

O problema é que a maioria dos poetas fazem do texto seu território de possessão. Então, foi-se o leitor...”, J. Moncks, via Facebook, em 18/06/2018.

Frente à proposta de reflexão acima, assevera o leitor SD, também pelo Face, na mesma data:

“A leitura complementa o poema, sem esta, ele estará incompleto.”

Examinemos a posição do leitor. Evidentemente que não se trata somente da singeleza da relação literária que se logrará completar com o passar dos olhos sobre o escrito, e daí o consequente consumo pelo leitor. Dentro da cuca do receptor dar-se-á (ou não) a reflexão sobre o que foi proposto no poema, dando curso à teleologia ou destinação da peça poética, segundo o que o receptor entendeu, assimilou e/ou compreendeu. O que se deseja abordar e instigar com a postagem, é o processo intimista da criação autoral. A maioria dos autores, experientes ou não, ao produzir escritos e impressões, garatuja a si próprio – faz publicamente a sua delação – e, por vezes, esquece de que o poema é de sua verve e autoria, porém não se destina (em si e por si) a solver suas questões confessionais, íntimas. O poema é, por vezes, a tábua de salvação para o necessitado – o qual não é somente o seu autor; funciona como tal, mas não é deste. Estejas atento, querido escriba: o poema tem de ser passível de universalidade, vale dizer, servir como sugestiva proposta para o recebedor de tal codificada mensagem, apesar de haver nascido no intimismo do universo pessoal de inquietações que sempre povoa o espiritual dos condenados a pensar e a jogar o verso na rua como uma clarinada: botar a boca no mundo. Esses sussurros e gritos autorais, na maioria dos casos inquietos frutos do peculiar timbre poético, incisivo, porém volátil; pungente de íntimo clamor de humanidade e angústias. Esta volatilidade que é da natureza dos inquietos – os sempre ávidos, desejosos de mudanças – frente a um mundo conservador e injusto quanto às inter-relações, especialmente no tocante à posse e ao domínio, nos quintais do “eu e você”, no lírico-amoroso, e quanto às razões de Estado e a liberdade de agir e dizer nos estritos limites dos pretensos direitos subjetivos públicos, nas interações sócio-políticas cada vez mais imbricadas em tempos de modernidade líquida. Enfim e ao cabo, o grito poético fazer-se verdade sentida, tida e havida, através do seu lírico e atroz fingimento (veraz ou não) no ventre dos versos, acalentados pelo sonho autoral de um porvir risonho em que o “ser feliz” esteja ao alcance dos olhos e dedos, num justo presente à convivência humana.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/18.

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