NICANOR PARRA - ANTIPOETA CHILENO

"A direita e a esquerda unidas, jamais serão vencidas !".

A frase é de Nicanor Parra, irmão de Violeta Parra, falecido no início deste ano, aos 103 anos; (1914/2018).

Sou um dos seus fãs;

e até publiquei há alguns tempos aqui no recanto um pequeno conto, com o título de um dos seus poemas: "O homem imaginário".

Nicanor, além de poeta, era um respeitável matemático e físico, profissão que exerceu em quase toda vida.

Sua obra poética é considerada por muitos críticos de renome como uma das mais importantes da poesia ocidental. Sua influência é notada em grande parte da literatura americana, sobretudo entre os autores hispano-americanos.

A seguir alguns dos seus poemas, traduzidos da internet:

O HOMEM IMAGINÁRIO

O homem imaginário

vive numa mansão imaginária

rodeada de árvores imaginárias

à margem de um rio imaginário

Dos muros que são imaginários

pendem antigos quadros imaginários

irreparáveis rachaduras imaginárias

que representam feitos imaginários

ocorridos em mundos imaginários

em lugares e tempos imaginários

Todas as tardes tardes imaginárias

sobe as escadas imaginárias

e se debruça na varanda imaginária

olhando a paisagem imaginária

que consiste num vale imaginário

circundado de colinas imaginárias

Sombras imaginárias

vêm pelo caminho imaginário

entoando canções imaginárias

à morte do sol imaginário

E nas noites de lua imaginária

sonha com a mulher imaginária

que o brindou com amor imaginário

volta a sentir essa mesma dor

esse mesmo prazer imaginário

e volta a palpitar

o coração do homem imaginário

................................................

A MONTANHA RUSSA

"Durante meio século

a poesia foi

o paraíso do tolo solene

até que eu cheguei aqui

e instalei minha montanha russa.

Subam se quiserem,

decerto não respondo se descem

sangrando pela boca e pelo nariz."

...................................................

PAI NOSSO

Pai nosso que estás no céu

Cheio de todo tipo de problemas

Com o cenho franzido

Como se fosses um homem vulgar e comum

Não penses em nós.

Compreendemos que sofres

Porque não podes consertar as coisas.

Sabemos que o Demônio não te deixa tranquilo

Desconstruindo o que constróis.

Ele se ri de ti

Mas nós choramos contigo:

Não te preocupes com suas risadas diabólicas.

Pai nosso que estás onde estás

Rodeado de anjos desleais

Sinceramente: não sofras mais por nós

Tens de perceber

Que os deuses não são infalíveis

E que nós perdoamos tudo.

......................................................

ANTES ME PARECIA TUDO BEM

"Agora tudo me parece mal.

Um telefone velho de campainha

bastava para me fazer o sujeito mais feliz da criação,

uma poltrona de madeira – qualquer coisa."

Domingo de manhã

ia ao mercado persa

e voltava com um relógio de parede

- digo, a caixa do relógio -

e suas respectivas teias,

ou com uma vitrola desmantelada,

a minha cabana em La Reina,

onde me esperavam o herdeiro

e a Senhora sua mãe na época.

Eram dias felizes,

ou, pelo menos, noites sem dor.

................................................

MUDANÇAS DE NOMES

"Aos amantes das belas letras

anuncio o meu maior desejo:

mudarei os nomes de algumas coisas

Minha posição é esta:

o poeta não cumpre sua palavra

se não mudar o nome das coisas.

Com que razão o sol

há de continuar chamando sol?

Peço que se chame Micifuz

das botas de quarenta léguas

Meus sapatos parecem ataúdes?

Saibam que de hoje em diante

os sapatos se chamam ataúdes,

comunique-se, anote-se, publique-se

que os sapatos mudaram de nome

desde agora se chamam ataúdes.

É certo que a noite é longa

e todo poeta que se preze

deve ter seu próprio dicionário

e antes que eu me esqueça

há de se mudar o nome de Deus

cada qual o chame como queira

pois esse é um problema pessoal."

.....................................................

A SORTE

A sorte não ama a quem a ama.

Esta pequena folha de louro

Chegou com anos de atraso.

Quando eu a queria

Para me tornar querido

De uma dama de lábios violeta

Me foi negada várias vezes

E agora me dão quando estou velho.

Agora que não me serve para nada.

Agora que não me serve para nada.

Lançam-me a folha ao rosto

Quase

como

uma

pazada

de

terra...

.................................................

ATENÇÃO

Aos jovens apaixonados

Que cortejam belas donzelas

Nos jardins dos mosteiros

Faço saber com toda a franqueza

Que no amor

por mais casto

Ou inocente que pareça no começo

costumam surgir complicações.

Concorda-se plenamente

Que o amor é mais doce que o mel.

Mas é bom advertir

Que no jardim há luzes e sombras

Além de sorrisos

No jardim há desgostos e lágrimas

No jardim não há só verdade

Mas também um pouco de mentira.

...........................................

O Chile, (talvez pela sua imensa beleza), é Pátria de grandes e célebres poetas de glória universal como Pablo Neruda e Gabriela Mistral – para citar apenas os prêmios Nobel.

Nicanor Parra não é menos importante no universo latino-americano e mundial, embora pouco divulgado no Brasil.

Auto denominou-se: UM ANTI-POETA.

A anti-poesia é um caminho que contradiz o estabelecido, que pretende romper com as convenções poéticas esterilizadas; desce da torre de marfim e frequenta o mercado, fala do vulgar sem medo.

Parra é um épico mundano, de irônica lúcides sem grandes sutilezas.

Utiliza palavras que chocam os ouvidos educados pelo lirismo; cria imagens de desconcerto, desassossegadas, que quebram tabus e lugares-comuns:

EU PECADOR

(...)

Eu ladrão de frango

eu dançarino imóvel no ar,

Eu carrasco sem máscara

Eu sou um semideus egípcio com a cabeça de um pássaro

Eu estou em uma rocha de papelão:

Que haja escuridão

Deixe existir o caos, Faça

as nuvens,

eu nascido delinquente

Surpreendido na fragrância

Roubando flores ao luar

Peço perdão à esquerda e à direita

Mas não me confesso culpado.

..............................................

Indicado ao premio Nobel por diversas vezes, (entidade que premiou como literatos figuras tão estranhas como Bob Dylan e Winston Churchil - nenhum desses dois escreveu um livro sequer ), sempre foi preterido.

Dizem que por sua postura política; (ou seja: confusa). E também por sua amizade com Pat Nixon, filha do presidente americano; o que provocou a fúria da esquerda.

Contudo Parra sempre permaneceu fiel às suas origens humildes. Reconhecido como uma pessoa de esquerda, mas independente; nunca militou em nenhuma das partes, e suas relações com a esquerda e a direita não foram exclusivas, o que lhe trouxe vários problemas com os defensores de ambos os espectros políticos.

Durante a década de 1960, antes do mal-entendido com Pat Nixon , o autor tinha boas relações com Cuba e o comunismo e com os Estados Unidos embora ele se comportasse mais como um anarquista..

Parra rejeitou os extremos políticos e foi incontrolável com os governos de centro-esquerda e de direita.

Ele era um oponente de governo direita - de Jorge Alessandri (1958-1964), com o democrata-cristão Eduardo Frei Montalva (1964-1970).

Também,criticou a Unidade Popular de Salvador Allende (1970- 1973). Após o golpe de Estado de 1973, que iniciou o período do Regime Militar , a Junta Militar ofereceu-lhe para exercer algum cargo público, proposta que Parra rejeitou.

Em vez disso, tornou-se um oponente proeminente da ditadura de Augusto Pinochet (1974-1990), à custa de várias de suas obras sendo censuradas.

"mais anarquista do que socialdemocrata,

mais socialdemocrata que stalinista ".

Até quando continuarem a esfregar o narguilé

não estou certo nem de esquerda

simplesmente quebro tudo».

Nicanor Parra, em "Artifacts"

Durante a ditadura de Pinochet não se alinhou nem à esquerda e nem à direita.

E cultivou certo atrito com Pablo Neruda, a quem denominava "Auto indulgente".

Caso viesse a morrer, (o que finalmente ocorreu aos 103 anos), deixou:

EPITÁFIO

"De estatura mediana,

Com uma voz nem fina nem grossa;

Filho mais velho de um professor do primário

E de uma costureira dos fundos de uma loja;

Magro de nascimento

Embora devota da boa mesa;

Com bochechas esquálidas

Mas com orelhas abundantes;

Com um rosto quadrado

Em que os olhos apenas se abrem

E o nariz de boxeador mulato

Desce até a boca do ídolo asteca

—Tudo isso banhado

Por um luz entre irônica e pérfida

Nem muito astuto nem muito otário

Fui o que eu era: uma mescla

De vinagre e azeite de comida

Uma mistura de anjo e de besta !"

.........GRANDE POETA, SUA IRONIA FARA FALTA.....

.........................................................

MAIS INFORMAÇÕES:

Graças a uma bolsa concedida pelo Institute of International Education , em 1943 ele viajou para os Estados Unidos para estudar um curso de pós- graduação em mecânica avançada na Brown University.

Retornou dos Estados Unidos entre 1945 e 1946, como físico especializado em indeterminação e relatividade.

Professor titular de Mecânica Racional na Universidade do Chile.

Em 1949, graças a uma bolsa do British Council , estudou cosmologia por dois anos em Oxford , Inglaterra , com o renomado cientista Edward Arthur Milne.

Casou-se com a sueca Inga Palmen.

Juntou ao poeta Enrique Lihn e o artista Alejandro Jodorowsky montam "Quebrantahuesos" , uma exposição de poesia mural feita com recortes de jornal onde eles usaram a técnica de colagem.

Poemas e antipoems (1954), o autor foi pioneiro no novo conceito de " antipoetry ", que se opunha a toda a poesia tradicional chilena, liderada por Pablo Neruda , Vicente Huidobro e Pablo de Rokha

Aposentado mudou-se para "Estância de Las Cruces", onde o poeta viveu 1980 até sua morte, (uns dias antes da sua morte foi levado pela família até ouro local, onde faleceu: La Reina) .

.............................

Abaixo estão as principais obras de sua autoria:

• 1937 - Songbook sem nome

• 1954 - Poemas e anti-poemas

• 1958 - A longa cueca

• 1962 - versos da sala de estar

• 1963 - Manifesto

• 1967 - canções russas

• 1969 - trabalho pesado

• 1971 - Os professores

• 1972 - Poemas de Emergência

• 1972 - Artefatos

• 1977 - Sermões e pregação do Cristo de Elqui

• 1979 - Novos sermões e pregações do Cristo de Elqui

• 1981 - O anti-Lázaro

• 1982 - Poema y antipoema para Eduardo Frei

• 1982 - Ecopoemas

• 1983 - Piadas par r para enganar a polícia poesia

• 1983 - poesia política

• 1983 - Coplas de Navidad (anti-natal)

• 1985 - folhas de videira (Ed. David Turkeltaub)

• 1997 - A Sagrada Família

• 2004 - Lear, King e Beggar

• 2006 - Discursos do Desktop

• 2006 - obras públicas

• 2015 - Antiprosa

...............................................................

Nicanor Parra recebeu os seguintes prêmios e reconhecimentos:

• 1937 - Poeta laureado, no Festival da Primavera de Chillán

• 1938 - Prêmio Municipal de Santiago, por Cancionero sin nombre

• 1953 - Prêmio de Poesia Juan Said, Sociedade de Escritores do Chile

• 1954 - Prêmio do Concurso Nacional de Poesia, Writers Guild of Chile, Poemas e antipoems 10

• 1955 - Prêmio Municipal de Santiago, para Poemas e anti-poemas

• 1967 - Ilustre Filho de Chillán , Município de Chillán

• 1969 - Prêmio Nacional de Literatura

• 1972 - Grant Guggenheim 44

• 1985 - Richard Wilbur Prize , Associação Americana de Tradutores Literários

• 1991 - Doutor Honoris Causa , Brown University

• 1991 - Prometheus Poetry Prize, Associação de Poesia Prometheus , Espanha

• 1991 - Prêmio Literatura Latino-Americana e do Caribe Juan Rulfo

• 1996 - Doutor Honoris Causa , Universidade de Concepción

• 1997 - Prêmio Luis Oyarzún , Universidad Austral de Chile

• 1997 - Medalha Gabriela Mistral , Governo do Chile

• 1998 - Medalha Abate Molina , Universidade de Talca

• 1999 - Medalha da Reitoria da Universidade do Chile

• 2000 - bolsista honorário do Saint Catharine's College , Universidade de Oxford

• 2000 - Doutor Honoris Causa , Universidade de Bío-Bío

• 2001 - Prêmio Bicentenário , Corporação Cultural do Chile e Universidade do Chile

• 2001 - Prémio Rainha Sofia para Poesia Ibero-Americana

• 2004 - Prêmio Konex Mercosul: Letters 45

• 2011 - Prêmio Miguel de Cervantes 33

• 2012 - Ibero - Prêmio Americano de Poesia Pablo Neruda

..................................................................

Obrigado pela leitura.

Fiquem com Deus;

Sajob, abril / 2015 + 3