DA FEIÚRA DE SÓCRATES
A feiúra de Sócrates, que não deveria ser objeto do estudo filosófico do autor, é um dos assuntos favoritos dos comentadores. Do ângulo da teoria do conhecimento, teria sido impossível um homem formoso formular sua bela teoria das Idéias, continuada por Platão? Aquele que sumamente não agrada à vista, à aparência, sendo o mais conhecido defensor da essência oculta não deixa de ser socraticamente irônico, ou ironicamente socrático... Ao fazer seu próprio retrato – ou o aluno fazendo o do mestre – de forma inusitada, também é inaugurada a filosofia que conta consigo próprio, que não se ignora como ponto de partida das afirmações sobre o conhecimento, inserindo-se como ridículo na maior parte das vezes; seja para engrandecer a autoridade de seu discurso, seja simplesmente para se humanizar, se desarmar da pedanteria do sábio. Alcibíades, ao contrário, é o protótipo do galã grego, e no entanto é um cabeça-de-vento. O mais curioso, para a filosofia pós-socrática, é que Aristóteles cita preferentemente, quando necessita ilustrar seus conceitos, Sócrates e seu nariz achatado, recursivamente. Sócrates é animal, bípede e homem. Achatado não é necessariamente um nariz, é um atributo, não tem substância fixa; nem todos os narizes são achatados; nem todos os homens são Sócrates. Mas incidentalmente Sócrates é um homem que possui um nariz e ele é achatado.