Dezes...?

Tirante meu cartão original de CPF, o objeto mais antigo que me acompanha, dou-me conta agora, sem ter que dar explicações para a Receita, é esse livro Modern Short Stories, editado por S. H. Burton, M. A., pela Longman, de Londres, que usei no meu curso de Letras, na UFMG. Foi comprado ao livreiro Daniel Vaitsman, ali na esquina da Espírito Santo com Amazonas, numa tarde qualquer do ano letivo de 1972. Tanto o carimbo, como minha assinatura, a lápis, em grafia bem legível para um canhoto, mo confirmam e me confortam.

O que me impressiona não é a sobrevivência do livrinho, capa grossa, boa encadernação, mas sim como ele me acompanhou por todo esse tempo, todo este mundo, se mal foi usado até mesmo no tempo em que era instrumento didático para o curso de língua e literatura inglesas para o qual eu me havia transferido, após ter cumprido dois anos no diploma de alemão, e tivera que começar com o inglês a partir do zero.

E ainda cursava à noite, pois já andava comprometido com o curso de Geo-Ciências que me tomava as manhãs, porquanto as tardes e as noites eram entremeadas de minhas atividades no magistério, ensinando inglês e francês, e ainda estudando o inglês...

Mas não me aperreavam os compromissos, achava tempo até para algum cochilo no ônibus, um lanchezinho no fim de noite no Ted´s da Praça Sete, ou uma ida ao cinema... O que não achava tempo era para dedicar-me mais a esse dito livrinho azulado, companheiro já de quase meio século.

Verdade que comecei penosamente lendo algumas historietas e até marquei palavras ainda desconhecidas. Chortle, por exemplo é uma delas... E acho que era o que mais as colegas moças, que perfaziam uns 80 por cento das turmas, faziam em relação a mim quando quando eu tentava enveredar-me por algum papo que não fosse pertinente ao nosso objeto didático. As letrandas e geografandas compraziam-se mais com os devaneios medicinais e engenheirais.

Retomando o livrinho à estante, quiçá a vigésima onde ele se hospedou, eu me comprometo a lê-lo, enfim. Não duma vezada, que é demais pros meus olhos já fugazes das fugidias letras. Mas mais por gratidão pela companhia. Só não garanto tirar nota melhor do que a Leila, a moça que era noiva do futebolista Spencer e que só colecionava dezes...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 24/02/2018
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