JOGOS-DE-VER-O-MUNDO

Mesmo que não venhamos a gostar de um poema ou texto, sempre haverá alguém que se identificará com a obra em questão. E a louvará como boa ou primorosa. Moral da história: há sempre um “chinelo velho prum pé torto”. Resta saber, no entanto, se o autor da peça escrita aceita que o ato gerador (o criar) se dá por compulsão, possessão intimista, diletantismo e passatempo, ou se por comprometimento com a palavra e o seu estrutural linguístico, pretende escrever livros e jogá-los no mundo, de modo que a posteridade possa vir (ou não), a consagrá-lo. É uma questão de escolha e de persistência. Caso deseje postergar-se na história literária de seu povo, é muito bom ler os clássicos para aprender e apreender os cânones literários. O mau gosto estético é visível a olhos nus, ainda mais em Poética. Há obras, tanto na prosa como no verso, que a mídia coloca nas paradas de sucesso como "as mais vendidas", contudo resistem somente àquele exato momento de glória, que muitas vezes se dá graças às mutretas dos editores e seus conchavos midiáticos. Em breve, muito breve, caem na vala comum do esquecimento. Portanto, aquele que escreve necessita, antes de tudo, conhecer o seu ofício. E o processo neste sentido começa com alguns quilômetros de vida experimental (prática) em que o belo e a sujeira do mundo circundante se acumulam e se digladiam, e o ‘condenado ao pensar’ cria suas antíteses; bem como através de leituras diárias sobre os mais variados assuntos. Por primeiro tem de vencer as adversidades e poder creditar-se como um ótimo leitor, para depois conseguir escrever algo que valha a pena. Enfim, tudo começa nos bancos escolares, desde a infância. Depois disso não há mais como viciá-los, nem há tempo disponível para o neófito, que passa a se interessar por outros convidativos jogos bons para a cabeça em gestação. E, para os livros, competir com os brinquedos e jogos eletrônicos é árduo páreo. É preciso e urgente viciar o jovem em leitura desde muito cedo. Os pais precisam estar junto na escolha dos jogos-de-ver-o-mundo desde muito cedo. A infância não pode ser feita apenas de folguedos. O aprender a pensar alarga a dimensão do passatempo e nos compromete como comedores de palavrinhas, algumas de esdrúxulo gosto e consequências. Porque o humano é antropofágico, e, como todos os animais, excreta parte do que come...

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017/18.

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