* LITERATURA PARA ANALFABETOS
O círculo literário no Brasil sempre foi restritivo. Atualmente, apesar do derrame incontido de autores, o mercado editorial continua sendo ingrato à maioria dos que se arriscam a produzir livros. Monarquia ou república, não podemos concluir que a realidade essencial mudou com o passar do tempo e dos regimes, nossa literatura consolidou-se como um tipo de agremiação e mantém-se assim. Vide a Academia Brasileira de Letras, um similar do Country Club de Ipanema (clube da alta sociedade carioca). Escritores e leitores são posseiros de uma arte que exige cognição num país de analfabetos.
Os números explicam os fatos. São 68% de analfabetos funcionais categorizados em nível 1 e 2, ambos destituídos da capacidade de interpretar com clareza os textos lidos. Somam-se a eles 7% de analfabetos absolutos, os incapazes de qualquer leitura. O resultado final nos revela 75% de ignorantes (que inclui todos os tipos de analfabetismo nacional), sendo que entre universitários há 38% de analfabetos funcionais. Os índices fornecidos pelo IBGE e por outras renomadas instituições de pesquisas não deixam dúvidas: somos uma aglomeração de cegos.
O mercado editorial brasileiro movimentou cerca de 5 bilhões em 2016, tendo como gênero mais lido a Bíblia, que é seguida pelo consumo de títulos religiosos. O seu principal provedor de receita é o governo, o maior comprador de livros. A fragilidade dessa indústria está justamente na dependência da boa vontade do Estado e nas bases precárias do nosso sistema educacional. Temos a literatura voltada para as elites intelectuais e financeiras, o produto final é caro, opta pela alta qualidade gráfica, o que demonstra, explicitamente, que compreendemos o livro muito mais como objeto de culto decorativo do que como acesso à cultura. Agravando o quadro, as grandes redes de livrarias atuam como cafetões culturais, chegando a cobrar 50% do preço de capa das editoras para comercializarem a produção.
As badaladas Bienais do Livro, com suas multidões eufóricas, servem como biombo a nossa condição medieval, são cada vez mais dominadas por YouTubers e celebridades pré-fabricadas, turbinam as vendas através da fórmula do livro decorativo, o enfeite de estante que dá ao comprador uma ilusão de status intelectual que não atenua a obtusidade predominante. Também se prestam como vendedores os padres, cantores, atores e atrizes, etc. Não é à toa que somos a nação dos totens, um território de bárbaros idólatras afogados no obscurantismo fundamentalista, que apresenta juízes e Bolsonaros como heróis do folclore popular.
A imprensa, em geral, reduziu drasticamente o espaço à crítica e à própria literatura. Jornais literários, como o Rascunho, tratam o tema com algum ranço elitista, às vezes expondo resenhas pernósticas ou embebidas em soberba intelectualoide. Por almejar o academicismo, é refratário ao leitor comum e escolhe reduzir-se a um adubo de vaidades. No Rio de Janeiro, lançamentos de livros são feitos na Travessa do Leblon, na Saraiva do Rio Sul, na Books de Botafogo ou em outras livrarias de bairros nobres, habitat da classe média alta e dos ricos da cidade. Acredite, isso denuncia muito sobre nossos leitores e autores.
Paulo Freire afirmava que ler deveria alcançar muito mais do que a mera decifração de códigos. Ler é despertar o pensamento crítico, a valorização das ideias. É um paradoxo observarmos a quantidade de pretensos escritores que perambulam pela Internet, com textos e artigos rebuscados dentro de um universo em que 75% da população padece de deficiência cognitiva. Para que serve esta literatura autofágica? Ah! Você esquece que temos a literatura de periferia, me diriam olhos mais atentos. Sim, o que chamam de literatura de periferia é uma concessão filantrópica aos autores de comunidades marginalizadas, não é uma conquista social ou imposição qualitativa, o mercado os abraça pelo exotismo comercial que representam.
O microcosmo da elite letrada, não necessariamente composta por leitores contumazes, sente a necessidade irrefreável de se expressar pela palavra escrita, mas não demonstra a menor inclinação para aumentar o público leitor, para integrar programas de alfabetização que criem novos cidadãos pensantes. Para ela, é tão difícil compartilhar riquezas quanto conhecimento. Cultivamos a leitura que não promove autonomia intelectual, prosseguimos formando uns poucos primatas alfabetizados. Aqui, otimismo é fé e o pessimismo circunstância.
O círculo literário no Brasil sempre foi restritivo. Atualmente, apesar do derrame incontido de autores, o mercado editorial continua sendo ingrato à maioria dos que se arriscam a produzir livros. Monarquia ou república, não podemos concluir que a realidade essencial mudou com o passar do tempo e dos regimes, nossa literatura consolidou-se como um tipo de agremiação e mantém-se assim. Vide a Academia Brasileira de Letras, um similar do Country Club de Ipanema (clube da alta sociedade carioca). Escritores e leitores são posseiros de uma arte que exige cognição num país de analfabetos.
Os números explicam os fatos. São 68% de analfabetos funcionais categorizados em nível 1 e 2, ambos destituídos da capacidade de interpretar com clareza os textos lidos. Somam-se a eles 7% de analfabetos absolutos, os incapazes de qualquer leitura. O resultado final nos revela 75% de ignorantes (que inclui todos os tipos de analfabetismo nacional), sendo que entre universitários há 38% de analfabetos funcionais. Os índices fornecidos pelo IBGE e por outras renomadas instituições de pesquisas não deixam dúvidas: somos uma aglomeração de cegos.
O mercado editorial brasileiro movimentou cerca de 5 bilhões em 2016, tendo como gênero mais lido a Bíblia, que é seguida pelo consumo de títulos religiosos. O seu principal provedor de receita é o governo, o maior comprador de livros. A fragilidade dessa indústria está justamente na dependência da boa vontade do Estado e nas bases precárias do nosso sistema educacional. Temos a literatura voltada para as elites intelectuais e financeiras, o produto final é caro, opta pela alta qualidade gráfica, o que demonstra, explicitamente, que compreendemos o livro muito mais como objeto de culto decorativo do que como acesso à cultura. Agravando o quadro, as grandes redes de livrarias atuam como cafetões culturais, chegando a cobrar 50% do preço de capa das editoras para comercializarem a produção.
As badaladas Bienais do Livro, com suas multidões eufóricas, servem como biombo a nossa condição medieval, são cada vez mais dominadas por YouTubers e celebridades pré-fabricadas, turbinam as vendas através da fórmula do livro decorativo, o enfeite de estante que dá ao comprador uma ilusão de status intelectual que não atenua a obtusidade predominante. Também se prestam como vendedores os padres, cantores, atores e atrizes, etc. Não é à toa que somos a nação dos totens, um território de bárbaros idólatras afogados no obscurantismo fundamentalista, que apresenta juízes e Bolsonaros como heróis do folclore popular.
A imprensa, em geral, reduziu drasticamente o espaço à crítica e à própria literatura. Jornais literários, como o Rascunho, tratam o tema com algum ranço elitista, às vezes expondo resenhas pernósticas ou embebidas em soberba intelectualoide. Por almejar o academicismo, é refratário ao leitor comum e escolhe reduzir-se a um adubo de vaidades. No Rio de Janeiro, lançamentos de livros são feitos na Travessa do Leblon, na Saraiva do Rio Sul, na Books de Botafogo ou em outras livrarias de bairros nobres, habitat da classe média alta e dos ricos da cidade. Acredite, isso denuncia muito sobre nossos leitores e autores.
Paulo Freire afirmava que ler deveria alcançar muito mais do que a mera decifração de códigos. Ler é despertar o pensamento crítico, a valorização das ideias. É um paradoxo observarmos a quantidade de pretensos escritores que perambulam pela Internet, com textos e artigos rebuscados dentro de um universo em que 75% da população padece de deficiência cognitiva. Para que serve esta literatura autofágica? Ah! Você esquece que temos a literatura de periferia, me diriam olhos mais atentos. Sim, o que chamam de literatura de periferia é uma concessão filantrópica aos autores de comunidades marginalizadas, não é uma conquista social ou imposição qualitativa, o mercado os abraça pelo exotismo comercial que representam.
O microcosmo da elite letrada, não necessariamente composta por leitores contumazes, sente a necessidade irrefreável de se expressar pela palavra escrita, mas não demonstra a menor inclinação para aumentar o público leitor, para integrar programas de alfabetização que criem novos cidadãos pensantes. Para ela, é tão difícil compartilhar riquezas quanto conhecimento. Cultivamos a leitura que não promove autonomia intelectual, prosseguimos formando uns poucos primatas alfabetizados. Aqui, otimismo é fé e o pessimismo circunstância.