FALAR DE POESIA

“Réplica ao poeta-filósofo Manuel Coelho”

Tese 01 – Manuel Coelho

(Partindo desta epígrafe, suponho: “O carisma da Poesia está na força das convicções: não cresce poeta quem quer, mas quem para tal alma tiver!”- Frassino Machado)

“Ok. Nem todo o leitor vê a alma do poeta nas poesias que lê; nem toda a poesia tem alma, muito menos a alma que o poeta julga que ela tem. Analisando bem, falar da poesia e de seu carisma, etc. e tal, dá pano para todas as mangas e todas as subjectividades. Gosto das que têm alma. Mas que alma? Já não tenho paciência para estas questiúnculas. Repito, gosto das que têm alma, das que são bonitas; das que têm convicções não gosto muito. Se forem moralistas, como algumas das minhas são, gosto ainda menos. Gosto da poesia como arte e «alma» de quem fez e de quem usufrui haverá de lá estar. Se não estiver é baboseira pegada. Cá está: é a minha avaliação estimativa. E termino com a pergunta: Porque é que quase toda a gente desconhece Fernando Pessoa, pelo menos alguma coisa da sua poesia, gosta? Porquê este assentimento de “gosto” que subjaz a todo ou quase todo o leitor de Pessoa? Transparência da alma? Talvez. Filosofia clara da existência humana? Talvez. Moralismo? Talvez nenhum. Continue a escrever haverá "sempre quem goste ou que diga que gosta. O Facebook é o reino desse “gostar” e a editora universal de todos os níveis, de todos os estilos, de todas as almas, para todos os verdadeiros ou falsos "Gosto". Até há aqueles e aquelas cuja poesia é doença medicamente diagnosticada e outros em que ainda não está diagnosticada, mas é claramente doença. Coitado de quem aguenta com seus belos ou feios despejos!... É o preço a pagar por esta Editora de tudo para todos. Um abraço escritor de outras Editoras. Manuel Coelho”

Tese 02 - Frassino

Caríssimo amigo Manuel, efectivamente, reconheço que estou um tanto indeciso na forma como hei-de dialogar consigo acerca desta sua “dissertação” que acaba de me enviar. Ainda, por cima, quando me apresenta o seguinte xeque: “Já não tenho paciência para estas questiúnculas”! Deste modo, receio que esta minha "brisa de frágil entendimento" não faça girar a sua «Mó». Fico sem saber – já que o meu amigo tem aqui uma "crítica de-Mó-lidora" acerca da "arte poética” – se essa sua estranha crítica se refere à Poesia em geral (enquanto lida, sentida ou reescrita) ou, simplesmente, se se refere a certos estilos/formas de escrever/tipo de poetas, etc. Desconheço, ademais, em qual dessas “marés/ondas” me encaixa e se eu, para si, na condição de poeta, não passarei apenas de "mais um". Seja como for, ouso responder à sua “missiva”. E para que nada caia em saco roto resta sempre uma vantagem, tal como o consagra a sigla popular, “a falar é que a gente se entende”, não acha?

Eu quando falo de «alma de poeta» é mesmo na significação de que todo o poema nasce, cresce, floresce e frutifica a partir de DENTRO, chame-se-lhe alma ou não. Quer dizer, na senda daquele fenómeno típico que se inicia com a semente que, ao cair na terra, está na origem do ser-planta / do ser- árvore.

Os nossos olhos, bem assim os nossos sentidos, à guisa de janelas "cativadoras" e "sensórias" do universo envolvente, veiculam toda a matéria-prima adequada para o nosso DENTRO e, é aí, pelas energias da Emoção (moinho que faz mover a tal Mó), que se dá a gesta cabal para todo o verso e todo o poema. O substrato cultural certamente delimita o desenrolar desta experiência. Todavia é sempre lá DENTRO que se coze esse pão alimentício chamado Poesia. Poderia, aqui, argumentar com testemunhos de Sena, Pascoaes, Drummond, Heidegger, Jaspers, etc. etc. mas, quiçá, seria fastidioso…

Quanto a Pessoa, para se falar dele, há que discernir primeiro de que PESSOA se fala: o que foi mesmo Pessoa (como ser humano integral) nos seus tiques, manias e estranhos vícios (como ele próprio o reconhece); o Pessoa que paira na “ideia que anda por aí” e que ornamenta o vulgar acervo de colectâneas para curiosos lerem; o Pessoa que se encaixa perfeitamente nos paradigmas desestruturados das síndromas do antes-da-guerra; o Pessoa, finalmente, que pela sua imagem sui-generis, se enquadra nos padrões alucinantes do mercado livreiro…

Quer dizer, pensar Pessoa, é pensar o “mundo-real” que temos de suportar; e, na minha opinião, “pensar Pessoa” é sentir a necessidade inalienável de o limpar de todos os preconceitos que pululam à sua volta. Ou, como suspeitam, sub-repticiamente, Eduardo Lourenço e outros pensadores sérios da actualidade: “sobre a identidade poética de Pessoa são mais as vozes do que as nozes! Ou “sobre Pessoa, em si, cada um o pode pensar como quiser”! Ou como diria um certo crítico famoso italiano, reconhecido especialista pessoano: “o verdadeiro PESSOA é aquilo que ele é e aquilo que ele não é!”.

Antes de ir aos “finalmente” – e porque referiu, destacando, o Facebook, intuindo que ele é a Editora das editoras – quero dizer-lhe que eu só concordo com o meu amigo em parte. De facto, quem diz o Facebook diz toda a comunicação/divulgação no seu todo, eis-nos no meio de uma autêntica floresta: é maior a quantidade do que a qualidade, é certo. Todavia compete, a quem utiliza estes meios, adestrar um «sentido crítico» saudável e necessariamente actuante, para não se enveredar fatalmente na roda da banalidade. Nesta perspectiva já Diderot – o pai universal da Comunicação – alertou para essa prioridade pertinente (passe a redundância). E estava-se muito longe de imaginar – desde a Imprensa até ao advento da Internet – o impacto concernente à cada vez maior velocidade dessa Comunicação. Pois como sempre se disse, desde os tempos ancestrais dos pré-Socráticos, “a velocidade da acção é inimiga da perfeição!”…

Concluindo, embora sendo já uma questão entre nós conversada há uns tempos atrás, quero dizer-lhe apenas que sobre as Editoras, não tenho honestamente preferências especiais. Contacto com muitos autores, de diversos quadrantes, aqui para as bandas da capital, e não há nenhum que esteja sobejamente satisfeito com as Editoras que os servem: quanto mais mudam, piores são os resultados: em vez de procurarem valorizar os desempenhos, dialogando e partilhando ideias que agradem às duas partes do processo, tentam refugiar-se no mero lucro rápido. Apenas um, me recordo, nunca seguiu tais critérios: Saramago. Talvez, quem sabe, por isso mesmo chegou a Nobel!... E, daqui resulta obviamente: neste século XXI, cada vez mais há bons escritores e artistas que recorrem a meios alternativos de divulgação e comunicação – como a Internet e afins – emergindo daí a crise cada vez mais generalizada das Editoras tradicionais.

Caríssimo amigo, espero que você me remeta um tolerante «deixa-para-lá» neste arrazoado enfadonho e discutível.

Os meus cordiais cumprimentos e saudações literárias.

O amigo ao dispor / sem tirar nem pôr!

Frassino Machado

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 11/10/2017
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