SE NÃO FOSSE...
Se não fosse... É expressão com forte imagem. Passa a impressão de quem espera por algo que muito quer e não alcança, porque ao buscar pela imagem não tem certeza de que terá o melhor aproveitamento, por ser impedido pela condição: se não fosse... Djavan retrata, na música “Se //... você tem que largar a mão do não / Soltar essa louca, arder de paixão / Não há como doer pra decidir / Só dizer sim ou não / Mas você adora um se...”
Defendo características comportamentais como decorrência do gênero cultural. De modo que, simplesmente, a vida se repete e se transforma em linguagem, para provocar a reflexão sobre o pré-julgamento no entender o sentido da vida: se não fosse... A solidão como segredo, a rosa com espinho, o sonho virar pesadelo, o relógio perder as horas, a lâmina na faca, o grito de dor e os erros repetidos.
Se não fosse... é variante da vida, personalizando cada ato, em fatos. Sem contar que cada escolha é o detalhe que demonstra a (des)construção e, ao mesmo tempo, desperta a curiosidade, mesmo instantânea, quando se forma em voz dissonante, como em Foed Castro Chamma, “...Se a porta está fechada / Se o muro cerca / Se o medo me repele // eu atravesso // um a um // espaço porta muro medo...”
Se não fosse... a inteligência, a maneira de falar, o senso de humor afiado, escolheria o direito à liberdade e agregaria ideias para contar histórias.
Se não fosse.. o passado, o mundo não seria gerado pelo patrimônio cultural, literário e musical.
Se não fossem... as atitudes criativas, como brotariam soluções inovadoras? Alberto Martins reflete, “... onde inicia o poema? / onde termina? // se tudo em volta é poeira?”
Se não fosse... a realização pessoal e a dignidade, para sentir os efeitos das transformações, da emoção e da razão, não sobreviveria às próprias decisões.
Se não fosse... o mundo de luxo, poder e glória, optaria por um estilo de vida simples.
Se não fosse... pensar no que faz sentido para a minha vida, não entenderia o que é coerente com a minha essência; como em Pedro Du Bois, “... olhares: o que vê / resulta na dúvida original / de que o todo e o nada / sejam entre os caminhos / irresolutos modos / de nos perdermos”.
Se não fosse... a ostentação, não perceberia o caminho para o vazio, a me mostrar que, quanto mais tenho, mais preciso para sentir a felicidade.
Se não fosse... pelos maus momentos e os limites dos bons, não descobriria o que é importante para sonhar em vida. Na visão de Evandro J.B. de Camargo, “... Quando enfim, acordar... / Pisará devagarinho, procurando por um abraço, / Por um afeto ou apenas um beijo / E se encontrares apenas espinhos... / Não te preocupes, uma rosa maior guiará o teu caminho”.
Se não fosse... o rio refletir as imagens da natureza como espelho, não veria que o céu nem sempre é azul.
Se não fosse... o barulho do dia ouviria a algazarra dos pássaros e realizaria um trabalho consciente com determinação.
Tento imaginar como seria a vida que não pude viver, o que pensaria, como lidaria sem a condição do se não fosse... na trajetória teria me envolvido em qual jogo da vida? Como seria o desfecho do meu projeto vida: as imagens seriam coloridas ou em preto e branco? Dúvidas não têm hora marcada; não é hobby; não têm patrocínio e vivem eternamente no meu pensamento, dentro da “gaveta”. Jairo Martins reflete, “Sabe o que é problema? Sabe o que é solução? A vida é um teorema, do qual não há decifração...”
A expressão se não fosse.. é a síntese da história não terminada, em que por muitas noites me senti sozinha, com insônia ao pensar se não roubei anos da minha vida; se tenho memória para viver as lembranças e se sou capaz de me concentrar e pensar... se não fosse a minha idade avançada sonharia cores únicas, amores, mares e ficaria de olho no tempo.