O Vilão Bíblico e a Crítica Literária
O viajante ao viajar busca entende-se melhor a si mesmo e ao olhar o mundo em outras perspectivas. O autoconhecimento é ainda uma das facetas do longo processo que é a viagem em si.
Trata-se de uma fuga não declarada dos problemas familiares e cotidianos que azedam semanas e dias, e a fuga serve para isso, cada viajante parte em busca de uma aventura que possa viver em paz e tranquilidade durante alguns dias da sua vida.
A busca por aventura ou experiências agradáveis deve também fazer parte do pacote, é uma parte importante de todo o processo, é um esforço para sair da rotina, e requer planejamento e outros detalhes como preparar malas. Nesta terceira coluna da série , em especial irei falar da crítica literária e o vilão bíblico.
Em que momento houve relação entre a crítica literária e o vilão advindo da Bíblia?
Parece-me que todas perguntas sempre carecem de respostas não exatas , mas que por alguma razão satisfaçam a quem formula a questão. Comecemos com o famoso Pai da “Crítica Secular Bíblica” , advindo da crítica literária filológica , Erick Auerbach inciou em seu trabalho fenomenal “Mímesis” em analisar textos antigos em especial no livro de Gênesis, a passagem do Sacrifício de Isaque e Abraão, em busca do realismo moderno na Literatura Ocidental. O ponto de partida é Mimesis, no qual Auerbach apresenta uma complexa discussão sobre o realismo literário, que, em vez de ser definido de forma unívoca, é entendido como exposição da realidade. Auerbach persegue as múltiplas “feições” sob as quais a realidade pôde ser configurada na literatura européia, imprimindo no livro uma “dimensão aberta” que caracteriza um conjunto de fragmentos articulados entre si.Há muito tempo considerado um livro clássico entre os estudiosos das letras, trata-se da obra-prima do sábio berlinense. Mímesis compreende, entre outros e relevantes aspectos, uma abordagem original da questão da representação da realidade e do foco narrativo em obras emblemáticas da literatura ocidental, partindo de textos antigos da cultura greco-latina até contemplar autores da modernidade como os irmãos Jules e Edmond de Goncourt e a novelista e ensaísta britânica Virginia Woolf.
De forma excepcional, com Erich Auerbach e seu famoso compêndio, a crítica literária no século XX experimentou enorme avanço quanto à metodologia de análise textual. Isso porque o exegeta germânico soube, como poucos estudiosos da matéria, estabelecer uma fecunda confluência da pesquisa histórica e filológica com a estilística para o esclarecimento da obra literária.
Com sua erudição, pôde também desenvolver a necessária e pertinente conexão entre filologia e literatura, o que permitiu enorme avanço qualitativo em suas análises, adotando um método caracterizado pela possibilidade de junção do diacronismo com o sincronismo que, no seu caso, e de forma original – voltamos a destacar – só contribuiu para uma leitura atual e esclarecedora dos grandes textos e excertos da literatura do Ocidente.
Mas por alguma razão, ele não se preocupa com o vilão bíblico, visto que texto analisado por ele naquele momento não permite perscrutar sobre o assunto, pois considera relevante a presença do realismo em textos literários e não na presença do vilão.Depois de Auerbach dar início a esse tipo de crítica , os críticos literários também passam a se aventurar no terreno bíblico, mas nada se obtêm de concreto sobre o assunto em questão.
Um outro crítico o inglês George Steiner advindo da crítica literária psicanalítica , arrisca alguns livros sobre a bíblia , mas não vem ao encontro de nossa pergunta, seus livros são úteis mas nada respondem. As obras buscam de fato responder outras questões relevantes para os leitores da Bíblia , essa relevância dede alguma forma não apresenta nenhum valor específico para o nosso assunto.
Em seguida nos sucede um crítico advindo da crítica literária genética , Philippe Willemart mas por sua vez se atém a construção e rascunhos acerca da obra de de escritor Gustave Flaubert, nada aponta na perspectiva do vilão, e sim aponta em outras perspectivas bíblicas.
O senhor Phillipe coloca em evidência uma interpretação genética acerca da relação de João Batista e Herodes, numa perspectiva puramente literária embasada na obra de Flaubert, bem el foi ousado e profundo ao analisar esse episódio bíblico.
Mas adiante surge um advindo da crítica literária desconstrucionista e psicanalítica,o crítico Harold Bloom escreve obras de extremo valor sobre o texto bíblico, focalizando a busca pela sabedoria ou entendimento da Trindade e o Cristo , mas nada relevante ou potencial. Nesse Caso suas ênfases não trazem relevância tangencial sobre esse assunto da vilania na Bíblia.
Bloom se fundamenta em seu profundo conhecimento acerca da literatura judaica que de alguma forma ajudar a melhorar sua interpretação acerca da Bíblia, mas não toca em nosso assunto dessa coluna em questão, ele assim descontrói o texto para pode avaliá-lo melhor e avançar suas leituras.
O interessante , que se palmilharmos mais a crítica nada ainda vem a oferecer sobre o tema referido na coluna agora, mas ao longe surge um outro britânico, o senhor Frank Kermode produziu obras de relevância como o ‘apetite pela poesia’ e ‘guia literário da Bíblia’, tentando de alguma maneira tocar em assuntos relevantes, mas por inúmeras razões não consegue atender a todos esses assuntos.
São temas magistrais contudo não tangem em termos claros o nosso assunto. Mas assim posso destacar sua profundidade em busca entender o Canône bíblico e por extensão o Canône literário e suas possíveis inclusões e exclusões , mas de algum modo procura seguir as pegadas do humanista e crítico filológico Erick Auerbach
Agora ao horizonte, um crítico norte-americano advindo da Nova Crítica , o senhor Robert Alter escreve de forma magistral duas obras de teor bíblico, a ‘narrativa bíblica’ e o ‘guia literário da Bíblia’ com Frank Kermode, mas as duas buscam atender outras demandas em especial do entendimento secular seguindo o ritmo da Auerbach o fundador dessa forma de crítica.
O senhor Robert diferentemente de Kermode, vê na narrativa um caminho aberto para entender o mundo atual e suas nuances palpáveis e não palpáveis em acordes melodiosos aos ouvidos do seus leitores, seria uma reinvenção da crítica secular bíblica criada por Auerbach.
Seguir uma corrente ou uma linha de pesamento indica que sempre existe algo por fazer ainda que seja diminuto, no caso dos críticos assumiram um papel deixado pela filosofia em épocas passadas , eles aprecem desafiar o modus operandi da teologia e busca uma terceira via de leitura do texto sagrado.
Esse corpo de críticos se sentem instigados em responder um conjunto de incertezas e questões tangenciais a respeito do livro sagrado , no nível da literatura o esforço de fato é produtivo e compreendido por muitos leitores que compram seus livros.
Em especial pode haver mudanças nessa linha, um outro crítico advindo da crítica semiológica, Umberto Eco também ataca nesse universo explorado pelos colegas de ofício, mas parte de outra direção o fator interpretação do texto bíblico, a famosa hermenêutica dos textos.
Com o conjunto de livros seus trata da interpretação e suas nuances , sempre tendo em vista o entendimento de qualquer texto, na perspectiva que cada detalhe que os textos se dispõe a oferecer em diversos momentos. O semiólogo dispõe de um conjunto de ferramentas que ajudam o leitor avançar em suas leituras, em diversas obras suas , essas ferramentas aparecem como uma forma de ilustrar a verdade.
Logo em seguida surge o crítico marxista Terry Eagleton mas busca em sua obra “Jesus Cristo e o Evangelhos’, busca dar atenção a outros assuntos também tangenciais como Cristo, um líder político? Eagleton analisa os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e, seguindo as omissões, contradições, escolhas e tendências de suas estruturas narrativas, procura dar conta de uma questão controversa que historicamente excede o campo da teologia.
Na apresentação ao livro, o crítico mostra que a pergunta retórica – “Jesus era apenas um líder espiritual e não um líder político?” – já incorpora um anacronismo pelo qual as interpretações mais costumeiras passam batidas. Afinal, perguntas dessa natureza só se tornam possíveis quando se “projeta para o passado uma distinção moderna entre religião e política que certamente não está nas Escrituras”. Nesse sentido, independente da voltagem espiritual das pregações de Cristo, é no mínimo sensato supor que a severa punição da crucificação não se deu por exclusivas razões de fé. Os romanos não se interessavam por diatribes ideológicas ou religiosas de suas colônias, mas destinavam a crucificação àqueles que representavam uma concreta ameaça à ordem pública.
O texto incisivo e elegante de Eagleton, cuja envergadura teórica rechaça qualquer acusação de diletantismo, não se exime de passagens corrosivas que, em outras épocas, facilitariam enormemente o trabalho dos inquisidores e censores do Index. Quando se fala, por exemplo, da proximidade de Jesus (depois desmentida) e principalmente de Judas com a seita dos zelotes (movimento clandestino anti-imperialista dedicado a expulsar os romanos da Palestina, que Eagleton compara ironicamente à Al-Qaeda), o autor chega a cogitar não sem um certo cinismo: “Talvez Judas tenha vendido Jesus porque esperava que ele fosse um Lênin e ficou amargamente desencantado quando compreendeu que não ia liderar o povo contra o poder colonial romano”.
Depois o crítico marxista Terry Eagleton, surge o crítico advindo da crítica semiológica, Umberto Eco busca desvendar o texto sagrado por intermédio dos símbolos ou figuras detalhadas nos textos literários ou em textos bíblico. As obras ‘Lector in Fabula’, ‘Os limites da Interpretação’, ‘A Memória Vegetal’, e outros livros busca dar uma atenção especial ao texto bíblico.
Umberto Eco desvendar por intermédio dos sinais semióticos os limites de compreensões de um texto, os detalhes ajuda ao leitor a eliminar ás possíveis dúvidas sobre o mesmo em destaque, Umberto Eco se fundamenta em elementos chaves que indicam uma interpretação plena de um texto.
Seus livros servem como verdadeiros guias para uma boa interpretação de qualquer texto por mais complicado que ele venha a ser entendido de forma absoluta e plena, essa plenitude favorável a cada leitor em especial depende de sua formação cultural, religiosa, familiar e outras formas de conhecimento.
Mas finalmente ao palmilharmos por muitos críticos de diversas correntes e assim chegamos ao crítico Northorp Frye e sua obra ‘o Código dos Códigos’, onde ele explora nesta obra “A Bíblia certamente é um elemento da maior grandeza em nossa tradição imaginativa, seja lá o que pensemos acreditar a seu respeito. Todo o tempo ela nos joga a pergunta: por que esse livro enorme, extenso, desajeitado, fica bem no meio de nosso legado cultural, como o `grande Boyg` ou esfinge em Peer Gynt, impedindo nossos esforços de circundá-lo?”Uma análise da obra mais importante da cultura ocidental – a Bíblia –, não com um olhar religioso, mas sim analisando-a como um texto literário.
O crítico e professor canadense Northrop Frye se lançou nesta empreitada sobre o estilo e a construção dos mitos no livro sagrado com erudição, rigor e a energia de quem trocou o sacerdócio pela carreira acadêmica.
“Logo compreendi que um estudioso da literatura inglesa que não conheça a Bíblia não conseguirá entender o que se passa”, escreve Frye na introdução da obra. O autor vai além e analisa a retórica da religião, sua linguagem, mitos e metáforas: a evolução da narrativa construída através dos diversos textos bíblicos do Antigo e do Novo Testamento, e a “tipologia” da Bíblia, no sentido de retórica que se propõem a antever o futuro, dando um sentido para a história, no caso a trajetória do homem do Paraíso Perdido a redenção no Apocalipse. Como Flávio Aguiar explica: “A Bíblia tem por tema principal o tempo, e o tempo futuro”.
Ao analisar os textos bíblicos desse ponto de vista inusitado, a inteligência de Frye desvenda as raízes da cultura judaico-cristã, estabelece relações com mitologias de outros povos e comenta as influências do ideário contido na Bíblia na política, nas artes, na moral, na cultura e nas ideologias até a sociedade contemporânea – onde Frye estabelece um curioso paralelo narrativo entre a tipologia bíblica e o marxismo. E claro, como não podia deixar de ser, o livro, mesmo sem ter esta intenção, acaba lidando com questões da própria religião.
Obra polêmica sobre o mais influente livro da história, O Código dos códigos é um trabalho analítico com texto fluente e preciso, de um crítico literário profundamente emprenhado do ponto de vista ético, que desvenda não o código Da Vinci da ficção, mas aquela que, para milhões, é vista como a palavra de Deus.A estrutura da obra de Frye não é nada simples. Ele mesmo diz que “a Bíblia está por demais enraizada em todos os recursos da linguagem para que lhe seja adequada qualquer abordagem simplista”. Neste sentido é uma obra mais para especialistas. O autor sugere três fases na análise literária da Bíblia. A primeira é a metafórica e poética, predominantemente mítica, na qual a pluralidade de deuses se torna unificadora do pensamento e da imaginação, pluralidade e unidade que, no caso, têm “o sentido de uma energia comum a sujeito e objeto” e expressa identidade entre homem e natureza. Se esta primeira fase se caracteriza pela relação comparativa e subjetiva determinada pela metáfora, a segunda é metonímica, dialética, cujas palavras expressam exteriormente uma realidade interior. Se no caso da metáfora “isto é aquilo”, na metonímia “isto está no lugar daquilo”. Uma terceira fase é mais humanista, e sua linguagem ordinária torna-se mais clara, mais horizontal, deslocando-se da alma para a mente, não mais sujeitas à dicotomia que supõe uma “para cima” e outra “para baixo”.
Esta brevíssima e limitada tentativa de resumir a complexidade teórica de Frye certamente não dá conta de todo o significado e originalidade de sua aproximação literária do texto bíblico, que melhor se esclarece nos oito capítulos que compõem as duas partes do seu livro. A primeira, “A ordem das palavras”, trata da Linguagem, do Mito, da Metáfora e da Tipologia, títulos que se repetem na segunda parte, “A ordem dos tipos”, porém, curiosamente, de modo inverso.
O primeiro capítulo, insiste o autor, não trata propriamente da linguagem da Bíblia, mas da linguagem que as pessoas usam ao falar sobre ela. Nos dois capítulos que seguem, sobre mito e metáfora, pretende responder a questões como: qual o sentido literal da Bíblia? Considerando o mito como o veículo lingüístico do kerigma (proclamação), afirma que a desmistificação de qualquer parte da Bíblia corresponde a eliminá-la.
O último capítulo refere-se ao modo pelo qual o cristianismo sempre leu a sua Bíblia – expresso no que denomina de “fases da revelação”, classificadas em sete categorias: criação, revolução, lei, sabedoria, profecia, evangelho, apocalipse.
Frye enfatiza a preocupação do Antigo Testamento com a sociedade de Israel, enquanto o Novo destaca o Jesus individual – e aí renova sua própria identificação com a Bíblia, destacando o lugar da história e do tempo humanos que transcorre em ambos os testamentos. Neste ponto também aponta o papel relevante da mulher, ausente em muitas outras culturas e obras, tomando a companheira Eva, que muda o destino da criação; e Madalena, a prostituta, preferida do Messias, que modela o próprio destino.
Mas a Bíblia, assinala, é mais do que uma obra literária, “seja lá o que este mais signifique”. Os eventos humanos conduzem a algum lugar e apontam para algo – e isto é, certamente, um legado da tradição bíblica, que “sublinha a existência de um começo e de um fim absolutos para o tempo e o espaço”.
Como tantas outras aproximações da Bíblia – teológica, histórica, arqueológica, revelatória e até literalista -, que parecem proliferar mais do que em outras épocas, o Código dos códigos não pretende esgotar, mesmo do ponto de vista literário, a natureza inexaurível do texto bíblico. Limitação que o autor parece reconhecer e que talvez se esconda na “reserva de sentido” de que falam os hermeneutas. Esse crítico de forma oportuna transfere para o vilão o aspecto demoníaco da existência humana.
Conforme ele pensa que o lado demoníaco seria uma analogia direta ao lado trágico da vida humana , sendo advindo da crítica arquetípica. Nesse caso ele vai rumo a uma empreitada que exige o reconhecimento do Mal em cada episódio bíblico e ao mesmo tempo a presença simbólica do Mal , inspirado em Paul Ricoeur e outros.
Ele não esgota as chances dessa presença do vilão ser alguém que sofreu uma amarga tragédia , ele realmente ataca o problema na sua raíz, onde ele mapeia os acontecimentos bíblicos tendo em vista a presença dessa vilania demoníaca em algum momento.
Em vias de conclusão, caro leitor essa coluna divisa esclarecer assim os diversos pontos de vista aqui levantados por inúmeros críticos na História da Crítica Literária Ocidental, sempre tomando por base o trabalho realizado por Erick Auerbach e seus companheiros em diversos momentos da História do Ocidente, posso dizer que o nosso amigo Auerbach foi o pioneiro ao dar o primeiro construto á respeito da Bíblia.
O esforço dele assim ajudou a diversos críticos advindos de diferentes vertentes ideológicas vieram de alguma forma fundamentar os seus trabalhos posteriores em Mímesis como uma base primordial, concordo que a concepção de uma obra de crítica literária depende de inúmeros fatores internos e externos, e o leitor por sua vez deve valorizar isso, com certeza.
Acredito que sem Mímesis, não haveria nenhuma Crítica Bíblica Literária Secular, o esforço dado por Auerbach ajudou a desbravar esse novo caminho para também novas formas de interpretação de um texto complexo como o bíblico, de alguma forma esses novos caminhos trouxeram uma iluminação lunar aos textos comuns ou sagrados, essa via foi uma maneira cambiável de se entender a Bíblia.
Algum leitor pode pensar o vilão é uma mera construção pré-moldada pelo Mal, mas isso é um dado relevante para definição pessoal sobre o assunto em questão.