O IDIOMA PLANETÁRIO
Não se pode dar ao estético nenhuma função utilitária. Não há nada mais inútil do que o poema. Não há a discutir seus detalhes intimistas: se bem urdido em cânones poéticos ou na singeleza da expressão amadorística. No entanto, intuo que sem a Poética como condimento espiritual não conseguiríamos conviver com a dignidade necessária ao humano ser. Esta linguagem, independente dos valores formadores ou informadores dos signos e dos quereres alternos, é sempre lavrada num idioma universal: o sentir amoroso derivado do espírito mais puro e altissonante do exercício do humanismo. Especialmente na vertente lírico-amoroso, exsuda nos poros, à revelia do consciente, através da intuição – faladeira incontrolável. Bem como as lavadeiras na margem do rio interiorano – mais afeitas ao trivial prazer de viver e cantarolar – do que ao secular ofício de lavar roupas. Porque isto é obrigação de higiene, a fim de se estar limpo e cheiroso, ou para ganhar uns cobres de terceiro pra ajudar a criar os bacuris... Por vezes, é muda linguagem: o resultado da digital do outro, que pode ser traduzido num vivaz abraço, beijo, amasso ou ferro em brasa. A qualquer tempo, nos poetas, a atávica infância abre as comportas dos sonhos, da farsa e da fantasia. Esta é a dialética do Mistério, que a rigor é a única fonte capaz de produzir Poesia: o registro do que se sente e/ou se pretende exprimir num momento psíquico-sensitivo diferenciado, em estado de Poesia. Parece-me (sempre tive esta impressão) que, através da Poética, o Absoluto cochicha em nossos ouvidos uma travessa canção de ninar, só pra liberar os duendes no jardim neuronal. Parece-me mais fácil o bulício, a algaravia de se saber na festa da Palavra. E que venham os folguedos, muitos deles já tão esquecidos. Nestes, o idioma é uno e entendível, embora os dirigentes o queiram diversificar em nome dos interesses do conviver e da apropriação do que não lhes pertence...
– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/17.
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