Isto é um haicai?
Escrita de 2012.
Os anões de pedra,
ciranda abraçando as águas.
Canta o chafariz.
Zuleika dos Reis
CONSIDERAÇÕES
I
A questão que me coloco, a partir dos princípios do Grêmio Haicai Ipê, ao qual pertenço, é a seguinte: Isto é um haicai?
O Grêmio Haicai Ipê, que procura seguir os princípios do haicai clássico japonês, princípios inaugurados a partir do trabalho de Matsuo Bashô (1644-1694) estabelece que:
1. O haicai deve transcrever, o mais fielmente possível, uma imagem da natureza, natureza cujos aspectos mudam o tempo todo, obedecendo, não obstante, ao ciclo das estações.
2. Cada haicai deve conter um 'kigo', como é chamado o termo de estação. Exemplo: Paineira, 'kigo' de outono, porque as paineiras florescem no outono; chuva de granizo, 'kigo' de verão, que é quando tais chuvas ocorrem (abstraindo-se a questão das mudanças climáticas, originadas pela ação do homem); cartão de Natal, chamado 'kigo vivencial', referente a eventos sociais específicos (nesse caso é 'kigo' de verão).
3. O haicai deve, preferencialmente, ater-se à tradição métrica 5/7/5.
4. O haicai deve ater-se ao momento presente, à descrição mais objetiva possível do fenômeno observado, evitando considerações explícitas de natureza filosófica, emocional, o uso do pronome "eu", etc.
Claro que há muitas outras considerações sobre a natureza do haicai, a partir dos princípios do Grêmio Ipê. Esses quatro enunciados fazem parte dos mais importantes. Permito-me colocar aqui um haicai meu com o kigo 'garoa' (kigo de inverno), haicai que considero ortodoxo porque busca seguir, com o rigor possível, os princípios teóricos do Grêmio Haicai Ipê:
A garoa cai.
Cintilam poças na rua
à luz dos farois.
Devo deixar claro que, embora obedecendo a determinada prática haicaística, não me considero no direito de julgar do valor da prática de haicaístas pertencentes a outras escolas. O poeta Guilherme de Almeida criou uma tradição poderosa, que ainda exerce bastante influência; a questão do uso da rima, por exemplo, pertence a essa tradição. Muitos outros poetas brasileiros utilizaram e utilizam o haicai como forma de expressão e cada um deles acaba por influenciar a práxis de outros: assim Leminski, assim Millôr, para citar apenas dois. Há poetas que intitulam seus haicais; outros tantos falam da natureza em geral, sem especificar o termo da estação... Outros ainda não consideram fundamental o rigor no uso da métrica... Há os que adotam a subjetividade emocional, conceitos existencial/filosófico/sociais, a crítica de natureza política e/ou o humor como critérios de escrita para seus haicais... e por aí seguem as diferentes abordagens de tão breve forma poética.
II
Bem, agora devo voltar à questão inicial: o pequeno poema que encabeça este artigo, pode ser considerado um haicai?
A favor desta hipótese:
- Segue a métrica 5/7/5.
- Tem o "kigo" da estação = chafariz (fonte luminosa) = kigo vivencial (relacionado a experiências sociais, no caso, a um objeto fabricado pelo homem que abriga o elemento da natureza (água).
No entanto, esse terceto não surgiu de uma observação da natureza, nasceu da imagem retirada de um romance, o CIRANDA DE PEDRA, de Lygia Fagundes Telles. A autora descreve um chafariz "abraçado" por anões de pedra, imagem que acaba por dar origem ao próprio título do romance.
Estamos diante de uma observação indireta, "terceirizada", da natureza. Ora, não ocorre o mesmo quando fazemos um haicai a partir de uma fotografia? Alguns ou muitos dirão: não, não ocorre o mesmo: a fotografia é uma representação icônica do elemento ou cena da natureza; não é o caso de descrição verbal da imagem de um chafariz, que talvez jamais tenha existido 'abraçado por anões', para além do romance em que aparece descrito.
Esta não é uma questão fechada para mim, aliás, a mim parece que pouquíssimas (ou nenhumas) questões o devam ser, fechadas. Houvesse menos lacunas neste breve artigo, haveria mais elementos para a ampliação de possibilidades de respostas.
III
Os anões de pedra,
ciranda abraçando as águas.
Canta o chafariz.
Zuleika dos Reis/ Lygia Fagundes Telles
ISTO É UM HAICAI?
O Grêmio Haicai Ipê, que procura seguir os princípios do haicai clássico japonês, princípios inaugurados a partir do trabalho de Matsuo Bashô (1644-1694) estabelece que:
1. O haicai deve transcrever, o mais fielmente possível, uma imagem da natureza, natureza cujos aspectos mudam o tempo todo, obedecendo, não obstante, ao ciclo das estações.
2. Cada haicai deve conter um 'kigo', como é chamado o termo de estação. Exemplo: Paineira, 'kigo' de outono, porque as paineiras florescem no outono; chuva de granizo, 'kigo' de verão, que é quando tais chuvas ocorrem (abstraindo-se a questão das mudanças climáticas, originadas pela ação do homem); cartão de Natal, chamado 'kigo vivencial', referente a eventos sociais específicos (nesse caso é 'kigo' de verão).
3. O haicai deve, preferencialmente, ater-se à tradição métrica 5/7/5.
4. O haicai deve ater-se ao momento presente, à descrição mais objetiva possível do fenômeno observado, evitando considerações explícitas de natureza filosófica, emocional, o uso do pronome "eu", etc.
Claro que há muitas outras considerações sobre a natureza do haicai, a partir dos princípios do Grêmio Ipê. Esses quatro enunciados fazem parte dos mais importantes. Permito-me colocar aqui um haicai meu com o kigo 'garoa' (kigo de inverno), haicai que considero ortodoxo porque busca seguir, com o rigor possível, os princípios teóricos do Grêmio Haicai Ipê:
A garoa cai.
Cintilam poças na rua
à luz dos farois.
Devo deixar claro que, embora obedecendo a determinada prática haicaística, não me considero no direito de julgar do valor da prática de haicaístas pertencentes a outras escolas. O poeta Guilherme de Almeida criou uma tradição poderosa, que ainda exerce bastante influência; a questão do uso da rima, por exemplo, pertence a essa tradição. Muitos outros poetas brasileiros utilizaram e utilizam o haicai como forma de expressão e cada um deles acaba por influenciar a práxis de outros: assim Leminski, assim Millôr, para citar apenas dois. Há poetas que intitulam seus haicais; outros tantos falam da natureza em geral, sem especificar o termo da estação... Outros ainda não consideram fundamental o rigor no uso da métrica... Há os que adotam a subjetividade emocional, conceitos existencial/filosófico/sociais, a crítica de natureza política e/ou o humor como critérios de escrita para seus haicais... e por aí seguem as diferentes abordagens de tão breve forma poética.
II
Bem, agora devo voltar à questão inicial: o pequeno poema que encabeça este artigo, pode ser considerado um haicai?
A favor desta hipótese:
- Segue a métrica 5/7/5.
- Tem o "kigo" da estação = chafariz (fonte luminosa) = kigo vivencial (relacionado a experiências sociais, no caso, a um objeto fabricado pelo homem que abriga o elemento da natureza (água).
No entanto, esse terceto não surgiu de uma observação da natureza, nasceu da imagem retirada de um romance, o CIRANDA DE PEDRA, de Lygia Fagundes Telles. A autora descreve um chafariz "abraçado" por anões de pedra, imagem que acaba por dar origem ao próprio título do romance.
Estamos diante de uma observação indireta, "terceirizada", da natureza. Ora, não ocorre o mesmo quando fazemos um haicai a partir de uma fotografia? Alguns ou muitos dirão: não, não ocorre o mesmo: a fotografia é uma representação icônica do elemento ou cena da natureza; não é o caso de descrição verbal da imagem de um chafariz, que talvez jamais tenha existido 'abraçado por anões', para além do romance em que aparece descrito.
Esta não é uma questão fechada para mim, aliás, a mim parece que pouquíssimas (ou nenhumas) questões o devam ser, fechadas. Houvesse menos lacunas neste breve artigo, haveria mais elementos para a ampliação de possibilidades de respostas.
III
Os anões de pedra,
ciranda abraçando as águas.
Canta o chafariz.
Zuleika dos Reis/ Lygia Fagundes Telles
ISTO É UM HAICAI?