GUATÁ
Não tenho conhecimento técnico nem gabarito para analisar obras literárias, mas amo ler e gosto de escrever sobre isso.
Alguns livros mexem tanto comigo que sinto vontade de jogá-los na parede, mas não por que sejam ruins: por que são tão contundentes, tão corajosos nas situações que expõem, que a minha reação é essa. De outros, eu esperava mais e quando termino de lê-los – se me permitem a expressão grosseira – a sensação que fica é de uma punheta comparada a uma boa relação sexual. Outros mexem com minha emoção. Outros ainda, me deixam arrependido pelo tempo que perdi com eles ou pelo dinheiro que gastei para adquiri-los.
Não vou exemplificar todos os livros que li, pois minha intenção é me deter em um livro que li recentemente: “Guatá”, de Flávio José Cardozo.
Trata-se de um livro de contos, gênero que não costuma vender muito, mas que é de meu gosto. O autor, catarinense de Lauro Muller, tem poucos livros publicados, mas seus contos merecem ser lidos e divulgados. Descobri Cardozo por acaso, em uma antologia, e procurei seus outros livros.
“Guatá” é, aparentemente, seu projeto mais elaborado e o primeiro em uma editora de grande prestígio (Record). É um livro de contos, mas todas as 13 histórias e personagens estão de certa forma, interligados, pois pertencem ao mesmo espaço geográfico: a Vila de Guatá, Distrito de Lauro Muller, numa época de poucos recursos técnicos para facilitar o trabalho na extração do carvão. Não por acaso, região onde o autor nasceu, daí a grata impressão de que escreveu o livro com a emoção e com o carinho pelos personagens de quem viveu ou testemunhou aquela realidade em alguma época.
Não são relatos de grandes feitos, de sagas com seres fantásticos ou repletas de clichês, como nos livros em moda no momento. São histórias de pessoas simples, vivendo a realidade dura e quase miserável das minas de carvão da região de Criciúma – SC. Na forma como Cardozo conduz seus relatos é que reside o grande fascínio do livro. Usando uma linguagem simples, muitas vezes poética, nos leva a uma viagem interessante pelos casebres miseráveis dos operários do carvão, sua realidade sofrida, seus poucos sonhos, isso sem julgar comportamentos de patrões e empregados e sem apontar vítimas ou culpados. Os contos são conduzidos num ritmo preciso, de crescente interesse, até o desfecho, quase sempre surpreendente. Alguns acabam em tragédia, outros, que apontavam para isso, são resolvidos de um jeito que muitas vezes me deixou com um sorriso encantado nos lábios e, confesso, lágrimas genuínas. Mas todos narrados com a prosa mágica do autor, pelo olhar benevolente sobre as pessoas simples do lugar e pelas situações por eles vividas.
Acabei de ler o livro com a emoção de quem viveu uma experiência única e com aquela tristeza cheia de saudade por ter terminado. E torcendo para que o autor volte a publicar no gênero ( o livro é de 2005), por que seus contos realmente são muito bons.