GAIOLAS
Para Marina
Gustavo Abreu escreveu que “Um pássaro na gaiola é a própria imagem da agressão à natureza. A ave que não voa canta de tristeza...” Vivemos engaiolados em nossos sentimentos, obrigações e conflitos na correria diária.
As gaiolas existem dentro de nós como algo conquistado, o sonho que não se libertou no tempo. Mas, nada nesse tempo é verdadeiro, porque tornamos estranho o contato que mantemos ao estabelecer o dia seguinte. Nas palavras de Danilo Neuhaus, “Acostumamo-nos a viver como pássaros, embora não percebamos. Muitas vezes como expressão “livre como um pássaro”, muitas vezes presos às gaiolas que formam em torno de nós e que até ajudamos a construir”.
Confesso não ser fácil nos livrar das gaiolas, elas se apresentam como sombras, fossem a relação definida entre a liberdade e a0 responsabilidade - forma de aproximação que nos atrela cada vez mais à gaiola. A maneira que nos conduz ao ideal numa viagem sem fim, como se resumisse a nossa vida entre aspas, paredes, e sem projetos, apenas esperando pelo reflexo do tempo, como demonstra Domingos Pellegrini em Gaiola Aberta “... Mesmo em céu cinzento / voar será bom / depois de tão lenta / engaiolação...”, e Pedro Du Bois em seu livro A Casa das Gaiolas.
O tempo passa e os ventos mudam. Diariamente vejo cenas diferentes que contrapõem ideias e ideais em sim e não. Construímos nossa gaiola e, por vezes, ela conduz a uma vida sem palavras e sem lágrimas, em que olhamos o horizonte ser engolido pelo cotidiano. Situação que se torna comum em nosso viver se não encontrarmos uma porta para atravessar o tempo, sem estremecer o sonho.
É possível na felicidade com que atravessamos a porta, encontrar a liberdade nos permite retomar o pensamento sobre os sonhos e abrir caminho para a realização pessoal na revelação do estado da alma.
Vivo à sombra de minha gaiola, vez que escolho meu destino e dou ao tempo o sabor de superação. Surpreendo-me pensando no amanhã ao rever as preocupações e a determinação com que reconstruo a esperança.
As gaiolas são sombras onde teço o meu lugar com muros e sem espelhos para refletir a minha história. Seleciono as escolhas de acordo com o momento, porque há coisas que faço porque nelas acredito, como encontro em Mia Couto, “Não esqueço nunca os rostos iluminados por um mágico encantamento, não esqueço o olhar dos que construíram aquele momento”.