HEROI BRASILEIRO
Macunaíma é o resultado de um olhar próprio do momento que o Brasil convivia com a negação de nossos conhecimentos literários, a redescoberta da analogia brasileira em um espaço de extraordinária clareza. É com essa finalidade é que o índio volta à a ser o protagonista. Desse incivilizado nasce então “Macunaíma”. Andrade não classifica o arcabouço como romance, embora percebessem os conflitos em que o ser fictício viveu. Para tanto o autor o classificou de rapsódia, elas são constituídas de conjuntos que se sobrepõem, a não ser pela necessidade de distinção das figuras dramáticas. O protagonista do romance, “Macunaíma” é como Mario de Andrade chamou de "herói sem nenhum caráter", por ser herói, é um a alegoria, um resumo de todos os costumes e tradições do povo brasileiro.
Nasce no fundo da mata-virgem, "preto retinto" (negro) e torna-se branco na viagem para o Sul. Nele se concentram a sagacidade, a manha (derrota de Piaimã, o Venceslau Pietro Petra, mas também a tolice, a ingenuidade os ovos do bugio, o cocô do gambá), o nosso herói recebeu muitas qualidades como: a malandragem, preguiça, a sensualidade, sendo que estava sempre ativo com suas brincadeiras. “Macunaíma” torna-se imperador das amazonas por ter brincado com Ci, a mãe do mato, que antes de tornar-se a Beta do Centauro, ainda deu uma muiraquitã para o herói esse amuleto vai parar nas mãos do Gigante Venceslau, que mora em São Paulo, o que obriga “Macunaíma” a uma prolongada viagem ao Sul.
Mario de Andrade busca a compreensão de que a existência do ser humano, o espaço que ele ocupa, determinação do o caráter social da vida, e que se realiza através da linguagem utilizada por pelo ele em seu romance “Macunaíma”. Sendo que, a linguagem é um instrumento de interação social, o autor explorou muito bem o plurilinguíssimo e diversas deveras vozes sociais dos personagens, os jargões do povo brasileiro, portanto:
A palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. (BAKHTIN, 1997, p. 41)
Para Bakhtin a língua só se atinge por meio do processo de enunciação, que abrange não só a matéria linguística, mas o conjunto social em que o enunciado aparece. Disto deriva que o “discurso é um acontecimento igualitário em todas as esferas de sua existência” (...) cada elemento isolado da linguagem do romance, é definido diretamente por aquela unidade estilística subordinada na qual ele se integra diretamente: O discurso estilisticamente individualizado da personagem, por uma narração familiar do narrado, por uma carta, etc. (…) Ao mesmo tempo, este elemento participa juntamente com a sua unidade estilística mais próxima do estilo do todo , carrega o acento desse todo , toma parte da estrutura e na revelação do sentido único desse todo. Para ele o romance é uma diversidade social de linguagens organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes individuais. (BAKHTIN p.71- 74)
Com essa compreensão, Bakhtin determina a principal característica do gênero romanesco o homem que fala e sua palavra. Isto é, o sujeito falante não é um ser abstrato, surgido do nada, é um homem que ocupa um lugar no mundo, relaciona-se com tudo e todos que o rodeiam, sendo, portanto, detentor de uma consciência sócio ideológica.
Na obra, nota-se que o seu discurso, e acompanhado da particularidade ideológica que lhe é inerente, é objeto de elaboração artística. Não é transmitido ou reproduzido, mas representado. Essa capacidade de apresentar a pessoa que fala como um homem essencialmente social é o que impõe originalidade ao romance. Mario escreve em um momento em que a burguesia buscava o seu espaço. Georg Lukács, renomado pesquisador mundial, estabelece estudos sobre o romance, e os gêneros que estão profundamente conexos com o período em que a burguesia, se manifestava em suas particularidades.
Mario de Andrade eterniza “Macunaíma” em sua epopeia, assim como as lendas seculares e tradições dos seus ancestrais, que foram preservadas ao longo dos tempos. A exemplo temos as epopeias descritas por Homero como a “Ilíada” e a “Odisseia”, que tem a sua etimologia nas lendas da Guerra de Tróia, em Virgílio a “ “ Eneida”, em Dante Alighieri, a Divina Comédia, e com Camões os “Lusíadas”. Como sabemos a epopeia pertence ao gênero épico, e que geralmente foram incorporadas aos relatos dos acontecimentos relativos a conceitos morais da sociedade.
epopeia é romance, ambas as objetivações da grande épica, não diferem pelas intenções configuradas, mas pelos dados históricos filosóficos com que se deparam para configuração. O romance e a epopeia de uma era para a qual a totalidade extensiva da vida, não é mais dada de modo evidente, para a qual a imanência do sentido à vida tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade. (LUKÁCS, 2007, p.55)
A obra retrata um momento em que a sociedade brasileira está passando por mudanças econômica e sociais, o autor procurou expressar esses momentos históricos na construção de sua obra, de forma criteriosa. E ao trazer os costumes das regiões brasileiras, ele o faz dentro de particularidades que cada região tem.
A narração em terceira pessoa muito bem explorada por Mario de Andrade, para justificar mais uma vez a classificação de rapsódia: ele é um Aedo, à maneira dos narradores antigos das rapsódias e das epopeias, mesma função dos repentistas populares, que, nas feiras da Nordeste Brasil, acompanhando-se de suas violas, narram às histórias com que encantam o imaginário popular.
Quanto a narrativa farei referência ao que Todorov escreveu em sua obra “Poética da Prosa” que: Os romancistas atuais afastam-se da velha e boa narrativa, não seguem mais suas regras, por motivos sobre os quais ainda não se chegou a um acordo. Ele questiona ainda: será por perversidade inata desses romancistas, ou por um vão desejo de originalidade, por obediência cega à moda? (TODOROV, 2003, p.65).
Por valer-se de uma narrativa mítica, o ser literário trabalha o tempo e o espaço da obra de forma precisa e bem definida, tomando como sustentação a realidade do povo brasileiro, Andrade faz referência ao espaço prioritário, que é o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior também, enquanto o tempo cronológico da narrativa se se mostra indefinido.
A narrativa de uma aventura significa outra narrativa; são as coordenadas espaço temporais do episódio que mudam, não sua natureza. Também isso era algo corrente na Idade Média, habituada a decifrar as narrativas dia, habituada a decifrar as narrativas do Antigo e Novo Testamento. (TODOROV, 2003, p.131).
Concluímos que “Macunaíma” é uma obra que busca sintetizar o caráter do povo brasileiro, segundo as convicções da primeira fase modernista vivida no Brasil. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de” Macunaíma”, mas porem totalmente imaturo.
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA:
ANDRADE, Mario de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Edição crítica de Telê Ancona Porto Lopes, Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos; São Paulo, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Bernardi. São Paulo: Hucitec Editora, 2010.
LUKÁCS, G. Teoria do romance. Tradução: José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: duas cidades; Ed. 34, 2000
TODOROV, T. Poética da prosa / Tzvetan Todorov; tradução Claudia Berliner. – São Paulo: Martins Fontes, 2003.