O JULGAMENTO
Enquanto leio, assinalo reflexões do autor Eric Ambler, no romance "O Julgamento de Deltchev":
“Onde a traição ao Estado é definida simplesmente como oposição ao Governo no poder, o líder político condenado não perde necessariamente a confiança do povo.
Na realidade, será respeitado e amado por ele, e a sua morte nas mãos de um Governo ilegítimo poderá contribuir para dar a sua vida uma dignidade que nunca teve anteriormente.
Neste caso, seus inimigos deverão enfrentar, no final, não a memória de um homem falível, mas um mito, muito mais formidável do que o homem real e muito menos vulnerável.
Portanto, o seu julgamento não é uma formalidade, mas uma cerimônia de preparação e precaução.
Ele deve ser desacreditado e destruído como homem, para que possa ser, seguramente, tratado como criminoso.”
Palavras atuais...
Ambler narra e demonstra, em 280 páginas, que todo julgamento político é uma farsa, montada pelo poder que detêm interesse, (seja econômico, político, social, etc), com vistas a limpar o terreno de todas conquistas da população para que interesses maiores possam pavimentar a estrada da exploração.
E ensina como isso é feito:
“Às vezes, o acusado é induzido a confessar abjetamente crimes...”
“... , o povo nem sempre crê nestas confissões;”
“...; e quando ele é líder de uma parcela da sociedade que ainda não foi liquidada, ou que esteja em ascenção, é preferível seguir, mesmo que superficialmente, as fórmulas legais, providenciar testemunhas, fabricar provas e deixar que ele próprio se defenda;”
“... o povo deve ser “instruído” da culpa do réu...”;
Para não cansar o leitor, fico por aqui.
Se despertei interesse pela leitura, procure em lojas de livros usados (sebos), pois Eric Ambler não é publicado no Brasil há muito tempo.
No meu tempo de juventude, líamos muito sobre política e cultura em geral: Eric Fromm, Sartre, Huxley, e até o nosso Gustavo Corção, etc.
Ambler fez parte da minha formação, até porque é leitura divertida, com sabor de aventura e mistério, recheada de opiniões do autor de nos levava a refletir o que ocorria ao redor do mundo.
Sempre explicou, com humor, suspense e aventura, como funcionam os “jogos de cartas marcadas", no cenário diplomático internacional.
Ambler, para quem nunca ouviu seu nome, era citado pelos grandes autores da época.
Graham Greene, em especial, o considerava mentor intelectual.
Li e tenho aqui guardado em minha biblioteca livros dele como: “Tophaki”, “Angústia mortal”, “Jornada do pavor”, “Epitáfio para um espião”, “Estado de Sítio”, “O mercador da Guerra’, “Fronteiras Sombrias”, “O soldado da Fortuna”, “O desertor”, "O levantino", "A máscara de Dimitrius", etc.
Todos com fortes revelações de como age a dominação na destruição legais e ilegais de pessoas e líderes que ousam enfrentar os interesses do capital; (não caia na asneira de considerar o capital algo ruim, muito pelo contrário...).
Enfim, como funcionam as coisas nos bastidores da grande política.
Era muito melhor do que Agatha Cristie...
Ambler nasceu e morreu em Londres, (28 de junho de 1909 — 22 de outubro de 1998).
Era engenheiro civil e exerceu seu trabalho em várias embaixadas inglesas ao redor do mundo.
Durante a 2ª. Guerra dedica-se a “propaganda de guerra”.
Neste posto trabalha por seis anos com o cineasta John Huston, que o levou a Hollywood.
Após o término do conflito, torna-se escritor e eleva as histórias de “espionagem” à categoria de clássicos da literatura universal.
O policial/espionagem de aventura será seu gênero preferido, por permitia-lhe expressar as suas opiniões políticas, que nunca transformou em ilusões utópicas.
As suas personagens são pessoas normais, que se tornam espiões sem pretender sê-lo.
São anti-heróis "açoitados" por forças que as superam.
Sua experiência na publicidade, diplomacia, mundo dos negócios e a sua formação como engenheiro, sempre surgem nos seus relatos, bem humorados.
Suas histórias políticas, ambientadas na segunda metade do século XX, ainda são bastante atuais, pois que os instrumentos utilizados para a dominação do mais fraco pelo mais forte não mudou muito nas últimas centenas de anos.
No final do livro (nas duas últimas frases) do “O julgamento de Deltchev”, que conta a história de um repórter que cobre o julgamento de um líder da Basiléia, o narrador/repórter é questionado:
"____ Quer assistir a execução?"
"____ Não, obrigado. Já assisti."
É isso ai; quantas coisas ocorrem nesse mundo que refletimos: "Já vi esse filme".
E nada mais fazemos para que o mesmo filme continue a se repetir.
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Quer se informar com obras mais recentes de como você é enganado?
Leia:
“A tolice da Inteligência Brasileira”, Jessé Souza, editora Casa da Palavra, brochura, R$32,90 - - 2015 - Entenda como funciona a atual sociedade brasileira, a elite (antigos coronéis), os dominados (antiga escravidão) e quem são os atuais capitães do mato;
“A radiografia do golpe”, Jessé Souza, brochura, R$29,90 – 2016 – Entenda como e por que você está sendo enganado.
Assista documentário da NETGEO: "A ciência do engano", que narra com didática primária como nossos sentidos são manipulados diariamente em prol de interesse de terceiro.
E como os governos manipulam nossa percepção em tempos de conflitos.
Ou se esforce para ler autores bem mais antigos, (mas sempre atuais), como:
“A gênese do capitalismo moderno”, Max Weber, encontrado em qualquer boa banca de jornal.
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Filmes baseados nas obras de Eric Ambler:
- “Tophaki”, filme de 1962. Mas hoje você leitor assiste com o nome de “Missão Impossível”, com Tom Cruise;
- “Jornada do Pavor”, filme de 1943, com Orson Welles, que participa como roteirista, diretor e ator – (atriz do filme: Dolores Del Rio); - que conta a história de um engenheiro militar que é perseguido para ser morto dentro de um navio mercante em alto mar. O livro criou o suspense de "espaço restrito", como "Quarto do Pânico", "O homem na escuridão", etc. e muito mais coisas que hoje se assiste. A história, perfeita, merecia refilmagem.
- "O mercador da Gerra", filmado e refilmado tantas vezes (com pequenas mudanças) que nem me dou ao trabalho de pesquisar.
- "A máscara de Dimitrius", não lembro quando foi filmado; conta a história da investigação de um latrocínio (assassinar para roubar) cometido no mesmo lugar e tempo do genocídio dos Armênios. Nos leva a refletir como é tênue a linha divisória que separa a (suposta) legalidade/legitimidade da ilegalidade/arbitrariedade.
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Enfim, saia do conforto e pare de dar bananas aos
macacos.
Vá em busca de conhecimento, neste mundo lindo e
imperfeito.
Fique com Deus e obrigado pela leitura.
Sajob - outubro / 2016