LAGO sem MARGENS

Os dias passam ao lado, como reflexos na água. A vida é espécie de retratação, onde possibilidades são postas em ordem no mundo das palavras. Por exemplo, a poesia quebra o discurso ao dar sentido à expectativa entre dois lagos: com margem e sem margem. É fator de continuidade, encontro mágico onde recolocamos o divino - a palavra e o humano – gesto; no rumo tomado há trocas que nos sensibilizam em sentido e significado. Encontro no livro Lago, Montanha, de Francisco Alvim, que “... vi sua vida fluir / como se tudo nele convergisse / para um lago do olhar - / um lago sem margens”.

O poeta navega em busca da unidade quando escreve sobre o amor e o simboliza em chuvas, como lago sem margens. O leitor, ao vivenciar a realidade do autor, de alguma forma, aposta na poesia para se valer das “verdades” produzidas e não alcançadas. Não faltam lágrimas ou abraços nas palavras que conferem diferenças nos momentos de leitura, o que também abre as comportas e os cantos obscuros da nossa alma.

O poeta chega de mansinho em nossa vida e desenha dentro da palavra o lago sem margens. Usa da artimanha das palavras para revelar a ideia que corre como água no desejo de querer, como n’O Código das Águas, de Lindolf Bell, “... Ah! Não fosse este rio chamado amor / de peso feito, medida e saudade infinita / Não teria o homem medida / de sua própria medida finita”.

Lago sem margens é sonho que converte a palavra e seus significados em respostas ao espanto do pranto, da emoção em ver a correnteza das águas, como em Bruno Gaudêncio, “há uma margem de homem em cada rio, há uma margem de rio em cada homem”.

Dias chuvosos deixam lembranças que ligam e separam as águas nos lagos sem margens; o homem em sua memória do existir na fragilidade faz dessa fonte a sua inspiração, onde a imaginação não tem limites. Entre o contexto e o texto no rio da vida o poeta vive no lago sem margens e carrega entre águas as brumas da existência. José Eduardo Degrazia retrata, “Lago // Lágrima de deus / no meio do mundo / perdida: pranto / no cristal da terra”.

Na chuva escutamos o som da água regando o lago sem margens, navegado por escritores que embarcam nossos destinos através das águas; são transgressões literárias que nos permitem vivermos para deslizar na imaginação, como expressa Carmen Presotto, “... rios do amanhã / resenhas entre mãos / bailaremos / a um Cer(a)vante”, e Benedito C. Silva, “O rio tem mudado as pedras / Em seu percurso, / Levando-as adiante, / Visto que, na vida, é para a frente que se anda!”