A Insensatez Adquirida
A insensatez Adquirida: excertos sobre uma patologia
*Este texto foi escrito em novembro de 2013. Foi publicado no meu
blog Polymath SiriusA Society.
Autor: Álvaro Vinícius de Souza Silva.
A separação entre um retrato e a imagem nele contida não obedece ao desígnio comum, ainda que se constitua em um exercício de engenhosa abstração àqueles que desejam intensificar os mares revoltosos de uma consciência refratária ao entendimento. Talvez seja preciso suspender um pouco a razão, deixando a mente vagar entre as portas e janelas da imaginação, sempre à espera de um pouco de discernimento mais intuitivo sobre os absurdos da insensatez contemporânea. E isto significa, nesse estado meditativo, como quem tenta arquear o espírito, o momento oportuno para um reflexo cintilante na vidraça de um antigo porta retrato, o qual, adormecido em suas relíquias, ainda guarde as lembranças de uma época mais lúcida e as esperanças para uma época consumida pela loucura.
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Distante dos seus refugos de eutimia, a época atual sobrevoa com qualquer paraquedas disposto à primeira aventura, guiando-se com predileção pelo aroma mais atraente do momento e, no mais, tornando-se ensoberbecida com a agitação de seus olhos; e assim sublevada pelos pêndulos do tempo, que oscilam entre cada objetivo transitório e os eternos desencantos. De boas ideias a boas intenções, infindáveis críticas e utopias são erguidas e sobrepostas por incrustações de outros devaneios. Ao invés da instrução milenar sobre o mundo, conclama-se aos quatro ventos a construção de uma humanidade cheia de flores e rosas a partir de fórmulas históricas. Quando não se trata da promessa de um futuro mui romântico, um exército de asnos de Buridan não decide nem "sim", nem "não", nem "zero" nem "um", porquanto não há razão para pensar fora de um mundo determinado, pragmático e totalmente esquadrinhado pelos passos ordenados de uma sintaxe tecnológica. Sem dúvidas, é o gosto artístico dos inebriados calculistas: não há nada além de 'zeros' e 'uns' nas suas brilhantes cerebrinas. Entre esta binarização e as fórmulas históricas, mesmo que aos "espantos de terceiros", apreende-se uma base comum: a busca por um mundo mentalmente categorizado e, portanto, muito próximo da insensatez.
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Muitas das fórmulas históricas, em virtude de uma deferência externa ao sermão popular, são fluidamente absorvidas pelos partidos políticos e movimentos sociais. Antes que algum leitor torça o nariz, deixo o seguinte aviso: a princípio, não haveria motivo para ser contra "boas ideias e boas intenções", caso elas não prometessem tanto o que em milênios não foi possível, nem estivessem presas aos grilhões da retórica política. No entanto, ao substituir mentalmente o "a princípio" pelo "a posteriori", uma irrequieta pergunta vem à tona: de que maneira as "boas ideias e boas intenções" estariam sempre livres dos erros que os seus criadores e defensores combatem tanto? Afinal, não seriam elas os vetores iniciais de uma série de desastres, na medida em que forçam uma espécie de reconstrução do destino humano? É nesta perquirição interpretativa, aliás tão necessária para uma reflexão aprofundada, que a observação se volta para o próprio pensamento e à percepção correspondente, de tal modo que não se possa guiar pelos labirintos de uma arqueologia de ideias, concepções e intenções salvacionistas com uma insensatez juvenil, somente por causa das "ideias e boas intenções" auferirem alguns resultados na realidade material. Não me refiro, essencialmente, às ideias e às criações do gênio da técnica ou das ciências naturais, mas aos vírus da insensatez que os tragadores de espúrios ideológicos e dendritos utópicos ainda expelem por aí, tentando reinventar um novo retrato do homem à sua imagem e semelhança, até mesmo quando escamoteiam analogias tacanhas de alguns princípios das ciências físicas. Para isso, recorrem à separação da imagem do homem real de seu retrato no mundo para, assim, inaugurar uma nova fotografia de um novo homem, cuja regra se origina das utopias e dos discursos promovidos pelas "boas ideias e boas intenções". Se repeti várias vezes certa expressão, é para prevenir o leitor desta isca da insensatez, o estopim para uma autêntica patologia contemporânea, caracterizada pelas mania de creditar louvores aos porta-vozes muito "bem intencionados" e ávidos por revoluções que melhorem o mundo. Caso ainda seja ludibriado pelas "boas ideias e boas intenções", caro leitor, talvez os três excertos funcionem como medicamento (de fato, serviria melhor como vacina) para sanar a insensatez adquirida.