A CONFEITARIA

Acompanho o exercício de tua criatividade literária há cerca de 10 anos, não é mesmo? O teu crescimento artístico e vocabular é visível especialmente em Poética, para quem quiser observar com critérios. Surpreende-me, muitas vezes, a sabedoria e o lirismo com que abordas determinada temática. Em ti a estética se manifesta através de vários formatos e materialidades. Os poemas e também a expressão prosaica congeminam-se com a doçaria amorosa e ressaltam o teu ofício de artesã confeiteira. Doces e poemas dependem, ambos, da boa impressão causada aos consumidores. Matam a fome e a gula dos necessitados. A boa Poesia é pra comer: "Ó subalimentados de um sonho! A poesia é para comer!", como lavrou a poeta Natália Correia, portuguesa dos Açores (1923/1993), numa das noites boêmias de seu famigerado "Botequim da Liberdade"; versos estes popularizados no Brasil por Maria Bethânia. O bom poema alça-se pela possibilidade de que possa ser antropofágico: está presente o amargo ou doce que a tessitura verbal lhe dá e o que há nele de convite à simples visão e à alimentação, como também ocorre com as guloseimas bem apresentadas e convidativas ao paladar. Em regra, o poema tem a sua doçura transfundida da lágrima. Não te apoquentes com os trogloditas: eles provocam a antítese através da fortaleza da Palavra e através desta exsurge a doçura, e esta nos purifica. Toca o teu barco e deixa que a compaixão te faça instrumento de entrega à Arte. Faz do limão uma limonada, diz o povo humilde e simples. Eu, como sempre, saúdo a fome de viver... Agradeço ao Absoluto tudo que é nascituro em teu interior, porque pertences ao universo dos capazes de transmutar o mundo em beleza e, mesmo frente ao usual e áspero antagonismo, a doçura, afinal, prevalece. O poema é bálsamo para quem tem a Confraternidade no coração.

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/16.

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