ENTRE O AMOR E O DESEJO

 
 
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
─ Não. Ai!, não: falta-me a vida,
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.
 
Almeida Garrett
 
 

     Aristófanes, em O Banquete de Platão, nos conta que, outrora, a natureza hu­mana não era igual a que conhecemos hoje. Os seres humanos eram divididos em três gêneros e não apenas em dois — masculino e feminino como atualmente. O ter­ceiro gênero, que possuía as características dos dois primeiros, eram os andróginos. Eram dotados de uma extraordinária força, coragem e resistência e, além disso, eram extremamente arrogantes. Por conseguinte, eles ignoravam os deuses e se recusavam a oferecer-lhes oferendas.
     Zeus estava indignado. Se, por um lado,  fulminasse os habitantes da Terra com um raio, como fizera com os titãs, não teria quem lhe oferecesse homena­gens e sacrifícios. Por outro lado, ele não podia permitir que tal insolência permane­cesse impune.
     O deus dos deuses decidiu, então, que a melhor maneira de quebrar a arrogância daqueles seres era enfraquecê-los: mandou seu filho Apolo cortá-los ao meio. Cada metade começou a procurar a sua parte decepada, no desejo de voltar ao que era antes do corte. Aqueles que encontravam a sua outra metade abraçavam-se e morriam de inanição. Zeus ordenou que Apolo voltasse à Terra, arrancasse os sexos desses se­res partidos e os recolocasse na frente, ou seja, no mesmo lado em que estavam os seus rostos. A partir daí, nasceu o amor. Ou seja: o encontro de uma metade com outra metade, fazendo com que dois se tornem Um. Aristófanes termina o seu discurso sobre o amor de forma profética:
 
Afirmo, pois, de modo geral, que todos nós, homens e mulheres, o gênero humano em suma, seríamos felizes se, ajudados por Eros, encontrássemos cada um a me­tade que o pode conduzir ao seu primeiro estado. Se esse estado primitivo era o
mais perfeito, mais perfeito será necessariamente aquilo que desse estado mais se aproximar. (PLATÃO, [427-347 a.C], 2007, p. 67).
           
 
     Freud recorre à mitologia grega para definir o amor como Eros — como tendência a unificação — e Thanatos como morte. Assim, Eros, como pulsão de vida, representa o amor, a criatividade e o desejo. Thanatos, em oposição a Eros, é a tendência à destruição da vida,  Existem duas forças antagônicas: de um lado, está o gozo da vida e de outro, a morte. Entre um e outro, está o desejo que se situa do lado do gozo da vida. Embora Lacan se refira a várias modalidades de amor, noste breve estudo privile­gio somente o amor-paixão (amor como Eros): amor como promessa de Felicidade. Nessa concepção de amor, temos a denegação da castração — o caminho pelo qual o sujeito encontraria a sua plenitude.— Segundo Nadiá Paulo Ferreira, o melhor exemplo para esse conceito mítico do amor é o momento histórico em que a literatura portuguesa, esteve sob a influên­cia da paixão, utilizando como modelo o masoquismo moral do romantismo francês. (FERREIRA, 2008, p. 38). Nesse contexto, o casamento surge como promessa de felicidade. Entretanto, diante do sofrimento e da frustração de um desejo que se es­pera realizar para a glória suprema do amor, as personagens se deparam com a morte.
     No amor-romântico, heróis e heroínas se inscrevem na estrutura neurótica: neurose obsessiva (heróis) e neurose histérica (heroína). Tanto um como outro de­negam o impossível e se colocam como impotentes diante das forças do mundo. “Os homens idealizam um objeto feminino puro, único e, como tal, insubstituível. As mu­lheres sonham com homens bonitos e galantes que realizam as façanhas mais mi­rabolantes para lutar por um amor, que, como não poderia deixar de ser, se apre­senta proibido.” (FERREIRA, 2008, p. 38). As heroínas, ao insistirem em um amor proibido, sustentam o desejo, sob a forma de desejo insatisfeito. O casal enamorado sonha com a plenitude, denegando dessa forma, a castração. Amar, ser amado e casar é possível; no entanto, é verdadeiramente impossível para o amante e o amado se tornarem Um, somente pela via do casamento. Assim, o caminho para sustentar a promessa de felicidade é a via do sacrifício, que culmina com o “morrer de amor”. Diante do amor proibido, só resta desejar a morte. É exatamente isto que Freud denomina de masoquismo moral em, O Problema Econômico do Masoquismo (1924) e que está presente no romance Amor de Perdição, do escritor português Camilo Castelo Branco, quando Teresa, diante da impossibilidade de viver o seu amor, decide que morrer é melhor do que viver sem esperança de felicidade: “Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa espe­rança de há três anos”? (BRANCO,Camilo in Amor de Perdição,1997, p.137).
     No período romântico, século XIX, a virgindade das mulheres era um tabu, cuja violação tinha de ser rigorosamente punida com a morte. Enquanto na novela de cavalaria (sé­culo XIV), a donzela seduzia o amante, entregava-se a ele como prova de amor e, ao invés de ser punida, era agraciada com o casamento e com o reconhecimento da paternidade do filho que nascera da transgressão ao código moral, o século XIX, as mulheres, além de serem punidas por se desviarem da virtude, saem do lugar de agente da sedução para se colocarem no lugar de objeto.  Portanto, recebem como castigo a degradação física (doença: a tuberculose) ou moral (“morrer de amor”) que as conduz à morte.
     Os homens, por sua vez, idealizam a figura feminina, concebendo-a como um ser imaculado, isento de desejos sexuais. Nadiá Paulo Ferreira acrescenta que os homens românticos: “[...] comportam-se como um obsessivo que, por acreditar que A (barrada) Mulher existe, insiste em idealizar um objeto que tem a castidade como lei, permanecendo morto para o desejo e se alimentando da dor em doses homeopáticas”. (FERREIRA, 2008, p. 75).
     Gustave Flaubert, em uma carta a Leroyer de Chantepie (1859), comenta o resultado do exagero romântico para a moral do século XIX e o mal que a Igreja Católica causou à mulher com o dogma da Virgem Maria:
 

[...] Creio, de resto, que uma das causas da fraqueza moral do século XIX vem de sua poetização exagerada. Do mesmo modo, o dogma da Imaculada Conceição me parece um golpe de gênio político dado pela Igreja. Ela formulou e anulou para seu proveito todas as aspirações femininas da época. Não há um escritor que não tenha exaltado a mãe, a esposa, a amante. A geração, dolorida, lacrimeja sobre os joe­lhos das mulheres, como um menino doente. Não se faz ideia da covardia dos ho­mens para com elas!  [grifos do autor]. (FLAUBERT, 2005, p.188).
 
 
     Almeida Garrett, no poema Não te amo, apresenta amor e desejo como a fi­gura feminina, concebendo-a como um ser inocente, imaculado e, portanto, isento de desejos sexuais. O amor é visto como algo sublime e puro, ligado à espiritualidade, capaz de conduzir o homem a estágios mais elevados, à perfeição. O desejo se manifesta no corpo e, por isso, é tido como indigno, pecaminoso, que o enche de culpa, já que, de acordo com o romantismo, o gozo sexual deve ter origem no amor e não pode ocorrer antes do casamento. Daí, o conflito do sujeito entre amar e desejar
 

 
NÃO TE AMO

Não te amo, quero-te: o amor vem d’alma.
E eu n ‘alma – tenho a calma,
A calma – do jazigo.
Ai! Não te amo, não.
Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida – nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!

Ai! Não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.

Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?

E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.

E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.

 
(GARRETT, 2004, p.61).

 
     Na poesia de Garrett, geralmente, a imagem da mulher se constrói de forma antitética, oscilando entre o angelical (divino: dessexualizada) e o humano (diabó­lico: objeto causa do desejo). Embora a estética romântica silenciasse sobre o de­sejo sexual, recalcando-o, em Folhas Caídas, no poema Anjo és, Garrett nos apresenta o corpo como lugar das pulsões sexuais, as quais escapam a qualquer controle. Assim, a mulher como objeto causa do desejo e não como objeto do amor nos é apresentada como uma figura diabólica e que, justamente por isso, causa medo e horror.  Desse modo, a mulher, configurada em duas imagens antitéticas, remete para os agentes de sua criação: “Jeová ou Belzebu?” Entre o Bem e o Mal, o sujeito vacila diante das forças pulsio­nais, fazendo com que não lhe reste outra saída senão o caminho da expiação. A culpa e o desejo inconsciente de ser punido levam o sujeito a um sofrimento que se torna fonte inesgotável de gozo. O gozo da dor no lugar do gozo sexual é o meio pelo qual o masoquismo moral aprisiona o amante ao eterno sofrer.    
 
 
ANJO ÉS
 
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jogo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
 
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm a negra cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. ─ Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?
 
Não respondes ─ e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? ─ Escaldou-me.
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de preceito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
 
(GARRETT, 2004, p.65,66).

 
          A antítese entre dois semblantes — angelical (objeto de amor) e diabólico (objeto causa do desejo) — que se constrói em torno da mulher, surge, segundo Jacques Le Goff, em Uma Longa Idade Média, como uma manifestação tardia do pensamento cristão medieval. Maria representa o lado divino (dessexualizado) da mulher, enquanto Eva representa o humano, portanto, o lado das paixões e do de­sejo sexual. Diz o autor:
 

[...] a produção do interesse estético, mais inclinado na Antiguidade na elaboração de um ideal masculino e que na idade Média evolui no sentido da celebração do corpo e sobretudo do corpo da mulher.  Não acho que se deva ver nisso uma “instrumentalização” [grifo do autor], como se diz hoje, da mulher, mulher objeto, simples objeto de desejo, etc. Não, eu creio que se assiste a uma verdadeira promo­ção, através, precisamente, das representações de Eva ocasião esperada pelos artistas de mostrar a mulher nua para o corpo, e de Maria, para o rosto. (LE GOFF, 2008, p.129).
 
    A morte é paradoxalmente concebida, no romantismo, como redenção, cas­tigo e promessa de Felicidade Eterna. Os amantes acreditam que a morte é o en­contro de seres libertos dos seus corpos. Assim, os amantes vão viver no Céu o amor que lhes foi proibido na Terra. O destino de Simão, Mariana e Tereza, em Amor de Perdição , ilustra o culto da morte diante dos obstáculos que o Mundo impõe aos amantes:
 
[...] Às nove horas da manhã pediu à Constança que a acompanhasse ao mirante, e, sentando-se em ânsias mortais, nunca mais desfitou os olhos da nau, que já estava de verga alta, esperando a leva dos degredados.
Quando viu, a dois a dois, entrarem, amarrados, no tombadilho, os condenados, Te­resa teve um breve acidente, em que a já frouxa claridade dos olhos se lhe apagou, e as mãos convulsas pareciam querer aferrar a luz fugitiva.
[...] Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe.  E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar.
[...] Viram-na um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onde lhe atirou aos braços. (BRANCO, p. 132, 141).
  
     No realismo, o casamento não é um ato que permite unir amor e gozo. O casamento, como instituição, se torna um dever e, como tal, se inscreve nas leis que determinam a constituição de uma família. Nesse sentido, cabe ao homem a função de pro­vedor, ou seja, trabalhar para garantir o sustento da família, e cabe à mulher as fun­ções de mãe, esposa e dona de casa.
         As heroínas dos romances realistas, que seguem o paradigma de Madame Bovary (Gustave Flaubert), são ociosas e preenchem o tempo com a leitura de romances românticos. Portanto, vivem em um mundo de sonhos, imagi­nando encontrar um dia o herói romanesco e viver com ele uma linda história de amor repleta de aventuras. Assim, insatisfeitas com os maridos que estão longe do perfil do herói romanesco, elas cometem adultério, na expectativa de encontrar, fora do casamento, o amor tão enaltecido nos romances que liam.
 

Devia possuí-lo, pensava Emma, um amor inesgotável, para derramar-se assim pela multidão, em tão grandes eflúvios. Todas as suas veleidades deprimentes se desva­neciam na poesia do papel, que a invadia; e, arrastada para o homem pela ilusão da personagem, tentou imaginar a vida dele ─ aquela vida ruidosa, extraordinária, es­plêndida, que também ela poderia ter, se o destino o tivesse querido. Ter-se-iam co­nhecido, ter-se-iam amado. Teria viajado com ele por todos os reinos da Europa, participaria de suas fadigas e de seu orgulho, apanharia as flores destinadas a ele [...] Súbito, porém, tomou-a uma loucura: o tenor olhava-a, não podia duvidar! Teve ímpeto de correr para os braços dele, de refugiar-se em sua força, como na própria encarnação do amor, de lhe bradar: ‘Rapta-me, leva-me; partamos! Para ti, só para ti meus ardores todos, meus sonhos todos!... (FLAUBERT, Gustave. in Madame Bovary, p. 213, 214).
 
E imóvel no meio do quarto, os braços cruzados, o olhar fixo, repetia: Tenho um amante![...] Que requintes teve nessa manhã! Perfumou a água com um cheiro de Lubin, escolheu a camisinha que tinha melhores rendas. E suspirava por ser rica! Queria as bretanhas e as holandas mais caras, as mobílias mais aparatosas, gros­sas jóias inglesas, um coupé forrado de cetim... (QUEIRÓS, Eça de. in O primo Basílio, 1993, p. 135).
 
     Vale destacar a falta de caráter dos heróis, em alguns romances, na literatura realista. São homens que se vestem com elegância, de acordo com a moda vigente em Paris. Nos romances Madame Bovary e O Primo Basílio, Rodolphe e Basílio apresentam-se para as mulheres como verdadeiros cavalheiros e as conquistam com um discurso sedu­tor. Em O crime do Padre Amaro (Eça de Queirós), Amaro se utiliza da psição de padre para conquistar o coração ingênuo da menina Amélia. Nos três romances, as mulheres são abandondas à própria sorte, no momento em que mais necessitam da proteção e amparo de seus amantes. Vejamos:
 
[...] Não se pode lutar contra o céu, não se pode resistir ao sorriso dos anjos! Dei­xamo-nos seduzir pelo que é belo, encantador, adorável!
Mas continuou ele , se eu não vim, se não pude vê-la, contemplei ao menos o que a rodeia. De noite, todas as noites, erguia-me e vinha: olhava sua casa, o teto iluminado pelo luar, as árvores do jardim que se balançavam ao pé de sua janela, para uma luzinha, uma tênue luz que se infiltrava através das cortinas, na sombra. Ah! A senhora mal sabia que ali estava, tão perto e tão longe, um pobre mísero... (Madame Bovary .p. 151.).
 
[...] Desde o primeiro dia  que te tornei a ver estou doido por ti, como dantes, a mesma coisa. Nunca deixei de me morrer por ti. Mas não tinha fortuna, tu bem o sa­bes, e queria te ver rica, feliz. Não te podia levar para o Brasil. Era matar-te, meu amor! Tu imaginas lá o que aquilo é! Foi por isso que te escrevi aquela carta, mas o que sofri, as lágrimas que chorei! (O primo Basílio, 1993, p. 86).
[...] Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, mi­nha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil! (O primo Basílio,, 1993, p. 134).

 "[...]Se pensas que o nosso afeto pode ser desagradável aos nossos anjos da guarda, então te direi que maior pecado cometes trazendo-me nesta incerteza e tortura, que até na celebração da missa estou sempre com o pensar em ti, e nem me deixa elevar a minha a/ma no divino sacrifício. Se eu visse que este mútuo afeto era obra do tentador, eu mesmo te diria: oh, minha bem amada filha, façamos o sacrifício a Jesus, para lhe pagar parte do sangue que derramou por nós! Mas eu tenho interrogado a minha a/ma e vejo nela a brancura dos lírios. E o teu amor também é puro como a tua a/ma, que um dia se unirá à minha, entre os coros celestes, na bem-aventurança. Se tu soubesses como eu te quero, querida Ameliazinha, que até às vezes me parece que te podia comer aos bocadinhos! Responde pois e dize se não te parece que poderia arranjar-se a vermo-nos no Morena/, pela tarde. Pois eu anseio por te exprimir todo o fogo que me abrasa, bem como falar-te de coisas importantes, e sentir na minha mão a tua que eu desejo que me guie pelo caminho do amor, até aos êxtases duma felicidade celestial. Adeus, anjo feiticeiro, recebe a oferta do coração do teu amante e pai espiritual, Amaro." (O Crime do Padre Amaro, p.115).

     Nos romances realistas,aqui estudados, a morte das heroínas é a forma pela qual elas são castigadas por terem cometido o adultério ou se envolvido numa relação ilícita. Luísa, ao saber que o marido descobriu seu romance com Basílio, adoece e morre. Emma se suicida porque não encontra no mundo o amante idealizado pelos romances românticos. Amélia, ao descobrir que está grávida do padre Amaro e ao se sentir excluída do convívio social, é acometida por um mal súbito e morre, após dar à luz o fruto desse amor proibido.O desejo inconsciente de punição e o sentimento consciente de culpa fazem com que Luísa e Amélia não resistam à doença e morram. Emma, ao contrá­rio das personagens de Eça, se suicida. Para Lacan, "o suicídio é o único ato capaz de ter êxito sem qualquer falha" (LACAN, 2003, p.541). Nesse sentido, podemos dizer que Emma fez uma escolha, em que abriu mão do seu sonho de amor — um amor que não teve lugar neste mundo — E, justa­mente por isto, ela resolveu patir.    
 
 Referências:

 
BRANCO, Camilo Castelo. Amor de Perdição. Rio de Janeiro: Klick Editora, s.d. p. 132, 137, 141.

FREUD, Sigmund.  Além do princípio do prazer. In Edição Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 18 v. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p.17 – 28 .
______. O Problema Econômico do Masoquismo. Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 19 v. Rio de Janeiro, Imago, 2000.


FERREIRA, Nadiá Paulo. O Amor na Literatura e na Psicanálise. Rio de Janeiro: Dialogartes, 2008. p. 38, 75 .
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de  Araújo Nabuco. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. p.11 – 329.
.
GARRETT, Almeida. Folhas Caídas.Minas Gerais:Virtual Books Online M&M Editores Ltda, 2000/2002.

LACAN, Jacques. O Seminário 1: Os escritos técnicos de Freud. Tradução de Betty Milan. Rio de Janeiro: Zahar, 1986. p.148 - 166 .

______. O Seminário 8: A transferência. Tradução de Dulce Duque Estrada.Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

LE GOFF, Jacques. Uma longa Idade Média. Trad. Marcos de Castro. Rio de Ja­neiro: Civilização Brasileira, 2008. p .129 .

PLATÃO. O banquete. Tradução de Albertino Pinheiro. 2 ed. São Paulo: Edipro, 2007. p.67, 118, 119.

QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio. 14 ed São Paulo: Ática , 1993. p. 15 – 326 .
______. O Crime do Padre Amaro. São Paulo: Ática, 15 ed, 2004. p.17 – 358 .

Imagem: Jovem defendendo-se de Eros — Pintura de Bouguereau (1825-1905)
 Disponível em:
https://www.google.com.br/search?q=jovem+defendendo-se+de+cupido&espv=2&biw=1366&bih=599&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjoxsu5r-jOAhWHiZAKHelUAzkQ_AUIBygC#imgrc=V-ujsnXo7ONsUM%3A

 
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 29/08/2016
Reeditado em 30/08/2016
Código do texto: T5743817
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