RAMIRO FORTES DE BARCELLOS (1851-1916) E "ANTONIO CHIMANGO" (1915)

   
   Durante as atividades da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2015, assisti a um debate sobre o clássico poemeto campestre “Antônio Chimango” (1915). A mediação foi feita pelo talentoso professor Luís Augusto Fischer e teve a participação dos intelectuais e também escritores Fausto Domingues e José Francisco Botelho. A mesa era composta por estudiosos profundamente conhecedores do nosso universo regional e do poema em questão. E a atividade veio muito a propósito porque estava em curso o ano do centenário da primeira edição.
   Como todo gaúcho que teve a oportunidade de privar com o desafortunado Antônio Chimango retratado na obra e que leu essa tropeada em versos, também sou um aficionado por esse libelo antológico que configura um magistral tratado de sociologia política, algo que vai de Hobbes a Maquiavel, e que conta a história da ascensão de um aprendiz de governante, no caso, Antônio Borges de Medeiros, tutelado por Júlio de Castilhos e ciceroneado pela sua eminência parda, Aurélio Veríssimo de Bittencourt.
    Ramiro Barcellos foi preterido por Borges de Medeiros como representante do Rio Grande do Sul numa eleição ao Senado Federal (a preferência recaiu sobre Hermes da Fonseca, o traidor dos insurgentes da Revolta da Chibata) e ele foi à desforra compondo “Antônio Chimango” sob o pseudônimo de Amaro Juvenal. Chimango é o nome de um pequeno gavião comedor de carniça.
   Nesse entreveiro de interesses difusos, o que era pra ser uma crítica contundente com versos rimados para facilitar sua difusão em edição clandestina, com foco pontual e circunstanciado, acabou por atingir uma atemporalidade que eleva o relato a uma categoria de obra de arte perene e exponencial. Com essa vitalidade, o poemeto campestre maiorou-se na sua circunvizinhança com outros gêneros artísticos e, no ano de 1982, virou sinfonia campestre pelo talento do músico argentino Martín Coplas. Ele reuniu a nata dos músicos da época, desde os empíricos aos acadêmicos integrantes da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), para esse ousado projeto que se consolidou num LP de muitas vozes e instrumentos variados. E foi assim que as cinco rondas do poema ganharam uma nova dimensão artística até então insuspeitada. 
    O poema é composto pelas cinco rondas, numa analogia com esse espaço de descanso dos tropeiros e do gado nas tropeadas. Tem 214 sextilhas, uma de abertura, com rimas ABBCCB, contadas em terceiras pessoas e com dois planos narrativos, no qual um retroativo, o que narra a saga de Antônio Chimango  a cargo do Tio Lautério, está inserido num plano maior, que narra a tropeada na qual a narrativa do protagonista é inserida a intervalos que coincidem com o descanso da peonada. Este plano maior é o do foco narrativo em terceira pessoa escolhida pelo autor como sendo de Amaro Juvenal. E é nele que vão aparecer conhecimentos de lida e de vida campeira que constituem marcos dessa obra magistral e admirada por sua verossimilhança e virtudes estéticas.
    Ao transcorrer o ano do centenário de nascimento de Ramiro Fortes de Barcellos (médico, político, jornalista e escritor), tudo o que se disser e se escrever sobre esse homem de múltiplas facetas ainda será pouco. Sua obra-prima continua a desafiar os corações dos que amam a gauchesca, gênero ao qual ele deu sua contribuição singular. Se na origem do texto havia muitos fatos conexos, hoje o livro é o seu próprio fato, sua própria justificativa pelo seu alto grau literário. Desprovido das emoções contextuais dos seu surgimento, hoje ele se eterniza pelo valor intrínseco, exsurgindo de uma época determinada para imiscuir-se em todos os tempos chegados e vindouros. 


Ficha técnica do LP (1982) - Selo Cantares
Autor: Ramiro Barcellos
Música: Martin Coplas

Roberto Azambuja - Tropeiro
Nelson Ribas - Tio Lautério e personagens
Conjunto Os Araganos - vocal
Luiz Carlos Borges - solista
Rafael Köller - bandoneon
Martin Coplas - guitarra

Outros participantes:
Ribamar Machado - violão
Guilherme Meneghetti (Meme) - percussao
Cordas: Ariel Piccinino, Jorge Inda, Juan Figares (primeiros violinos); Francisco Sxilágyi, Carlos Aguirre (segundos violinos); Miguel Pimienta, João Manso (violas); Dennis Parker, Paulo Coelho Freitas (violoncelos); Milton Masciadri (contrabaixo); Jorge Inda (violino no solo da 1ª ronda); Paulo Dorfman (regência e arranjo para cordas); Martin Coplas (direção artística), Lido Soares (programação visual), Artur Poester (fotografia), Berenice Pacheco (coordenação geral).


(Publicado também no jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, no Caderno de Sábado, em 30.7.2016)

 
Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 05/07/2016
Reeditado em 30/07/2016
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