Pálidas poesias – A poética de Tite Kubo

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É possível transmitir poesia através da cultura pop? A resposta a essa per-gunta não poderia ser dada com outro nome: Bleach. O mangá criado pelo japonês Tite Kubo não apenas respondi esse questionamento como também reacendi uma velha chama para os poetas e uma querela para os críticos, a possibilidade de trazer inovação numa arte tão banalizada nos dias atuais.

Um mangá é um quadrinho japonês, a leitura e o estilo de desenho, bem como o da escrita é distinto do ocidental. Muitos devem manter algum receio quanto a alguém imprimir poesia em algo tão dinâmico e comercial, mas Tite Kubo fez isso de modo muito significativo e artístico. Na folha de rosto de cada volume do título, ele coloca ao invés de uma imagem inédita, um poema.

A poesia do mangaká não é de nenhuma escola literária ou segui algum tipo de versificação, no entanto seria errado dizer que ele é um pós-modernista, mais inadequado seria lhe imputar uma possível “falta de originalidade”, pelo simples fato de ele ter abdicado de seguir qualquer padrão existente, ele já demonstrou sua originalidade e ousadia.

Embora flerte com alguns gêneros e faça bom uso de quadras e dísticos, a maioria das poesias aparece dentro do próprio mangá, seja no título do volume, do capítulo, como um diálogo, ou uma narração:

Bleach Vol. 32 Howling, -16 Morrendo nos campos de gelo

Sonho com o campo coberto de gelo

Sinto a presença do gelo

Ouço uma voz fazendo eco

Como se me pressionasse

Como se me envolvesse

Como trovão que lá longe estrondeia

Como flor que nesta mão esbarra

Como morte nos campos de gelo

Como trovão que nesta mão desaba

Lá longe, aqui perto, estrondeia como trovão

Decidi seguir em frente, à procura de onde vem

Nem que eu tenha que morrer nestes campos de gelo.

Esse exemplo nos mostra claramente a sua originalidade, sem deixar que o poema caísse em versificação rocambolesca, e quem pode ler esse volume entendi a conexão fidedigna entre o poema e o protagonista do conto. A arte não apenas está ai preenchendo as páginas, mas saltando beleza aos olhos em versos brancos.

Seus poemas não ficam presos a fórmulas antigas ou convencionais, embo-ra possam ser identificadas em algum momento, mais por um grau de compa-ração afetivo do leitor que uma real utilização das mesmas. Portanto, eles po-dem ser rotulados com denominações que presam mais o movimento artístico do que a própria arte do autor. Veja esta belíssima quadra:

Bleach Vol. 37 Beauty Is so Solitary

Não acho as pessoas belas

Como acho que as flores são.

Pessoas são parecidas com flores

Só quando caem mutiladas pelo chão.

Apesar de fazer uso de uma versificação comum, ele dá sua própria contri-buição para o estilo, evocando uma brusquidão que desconcertaria qualquer apaixonado pelo romantismo. Muitos dos seus poemas trazem uma visão forte e desconcertante do mundo e das emoções. Nada escapa de ser transmitido em versos. Tudo vira um poema e traz uma revelação.

O melhor do poetas é aquele que transforma a si mesmo em uma ferramenta da poesia e conseguir traduzir sentimentos alheios como se fossem seus. Isso não torna o poeta um fingidor, ao contrário, faz dele um receptáculo universal de toda a humanidade, foi assim que Homero, Shakespeare, Dante, Camões e o compatriota de Tite Kubo, Hokusai, se eternizaram.

Um poeta não escreve para uma classe social, país, não tematiza sua obra, ele apenas escreve. É fabuloso como o autor conseguiu isso num mangá.

Sua poesia não sofreu qualquer banalização e não fica deslocada no título, os poemas e os mangás se tornaram uma arte simbiótica. Tamanha sinergia traz uma gama de temáticas e a manutenção da originalidade, que são as pro-postas do autor. Cada volume traz mai do que uma poesia, uma arte única. É possível ver cada sensação, sentimento e crítica estampado nessas palavras:

Bleach Vol. 44 The Lust

Por ter um coração, invejo.

Por ter um coração, devoro.

Por ter um coração, tomo.

Por ter um coração, desprezo.

Por ter um coração, vadio.

Por ter um coração, enfureço.

Por ter um coração, desejo tudo o que há em você.

As poesias não se resumem a uma quebra de tradição, elas fazem parte de um modelo com sua significação, ao qual não encontram similares, a partir do momento que um artista segue uma escola, ele acaba esquecendo-se do mais básico da arte: Liberdade. Tite Kubo usa da liberdade artística de modo enri-quecedor para o leitor. Que mais dessa arte preencha boas páginas do mangá.

Caliel Alves
Enviado por Caliel Alves em 27/06/2016
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