A HORA AMARGA

Realmente as crianças são maravilhosas. Conseguem explicação pra tudo, especialmente quando se impressionam com algumas situações definitivas como a morte de seus afetos familiares. E contam suas historietas: olhinhos arregalados, gestos largos, caras e bocas. Vovô virou estrelinha; mamãe viajou direto pro céu; a maninha tá pulando amarelinha com os anjos... Compreende-se, então, a profundidade e a permanência psíquica e o sucesso dos contos de fadas, príncipes e sapos, em seus doces e ingênuos semblantes, nas publicações. Veja-se, nos relatos infantis a visão antropológica de Deus – a concepção antropológica da divindade, por vezes inusitada e segundo os hábitos maternos e entornos cotidianos. Enfim, cada humano vê o mundo segundo o concebe. Daí a ótica peculiar sobre cada universo individuado. A concepção maior ou menor do mundo depende deste entorno criado pela vivência e observação. E é este que torna as coisas possíveis e palpáveis – por mais falsas e postiças que possam parecer aos olhos dos outros. Se bem que o que dói na cuca e no corpo nunca é falso ou postiço. E a veracidade e/ou profundidade das perdas está na dimensão do poço de onde nasce a dor do sofrimento. Ninguém gosta de beber dessa água insípida...

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015/15.

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