7 contos fantásticos da literatura brasileira
Fantástico brasileiro? Você pode imaginar que essas duas palavras na única frase não combinam, mas vai ficar surpreso se escavar a fundo nossa literatura. No Brasil, esse gênero não foi tão difundido quanto em outros países, os movimentos literários por aqui sempre tenderam para o real (realismo – naturalismo) e afastaram o mágico e ainda com os movimentos pré-modernistas os novos autores pretendiam romper as algemas que os prendiam ao passado, buscando sua própria identidade. Assim, deixaram de seguir influências europeias e guiando a literatura para aspectos próprios da cultura brasileira.
Podemos dizer que cada sociedade acrescenta um pedaço de sua cultura na sua literatura, transformando os gêneros. Portanto, enquanto nos países europeus o fantástico habita grandes castelos de pedra, no Brasil, aparentemente, vive nas matas onde os mitos crescem e criam raízes.
Mas, não quero tomar seu tempo com chatices teóricas, apenas fazer uma pequena introdução que justifique a escolhas dos contos. Muito se questiona acerca da denominação do fantástico, para muitos, está apenas ligado às histórias onde universos são criados (Tolkien), porém a palavra fantasia abrange muito mais que isso, inclusive existe uma grande quantidade de subgêneros partindo do que conhecemos como fantástico.
Os contos aqui selecionados – dentre tantos – pertencem a autores renomados da literatura brasileira, e derivam de alguma forma, do gênero fantástico, seja pelo mítico, pelo sobrenatural ou o estranho.
1. Flor telefone moça – Carlos Drummond de Andrade
Nesse conto o poeta traz a mistura do fantástico com tecnologia, apresentando uma história que já foi divulgada na mídia como lenda urbana (sem os devidos créditos ao autor). Drummond conta de um jeito bem brasileiro o caso de uma moça que, sem perceber, apanha uma flor no cemitério e, a partir disso, começa a ser assombrada por uma voz misteriosa ao telefone. Vale a pena conferir.
“Mas, voltando ao quarto, já não ia só. Levava consigo a ideia daquela flor, ou antes, a ideia daquela pessoa idiota que a vira arrancar uma flor no cemitério, e agora a aborrecia pelo telefone. Quem poderia ser?” (Andrade, Carlos Drummond. Contos de Aprendiz 1902)
2. Sem olhos – Machado de Assis
Um autor que dispensa apresentações, Machado de Assis além de escrever diversos romances tão conhecidos por todos no ensino médio, possuí um enorme acervo de contos. Sem olhos é um daqueles de arrepiar os cabelos. A história é um pouco longa, desembargador Cruz conta a seus colegas sobre um vizinho que teve no passado, Damasceno era um homem muito estranho e lhe revelou um segredo que o aterrorizou.
“O dedo magro e trêmulo apontava alguma coisa no ar, enquanto os olhos, naturalmente fixos, resumiam todo o terror que é possível conter a alma humana. Insensivelmente olhei para o lugar que ele indicava…” (Assis, Machado de. Relíquias da casa velha 1908)
3. A vingança da peroba – Monteiro Lobato
Sítio do Pica-pau Amarelo! É a primeira coisa que vem à cabeça. Mas Monteiro Lobato já escreveu muita coisa de deixar o sujeito, no mínimo, “cabreiro”. No livro Urupês (o qual inspirou Mazzaropi) ele traz diversos contos de tirar o sono. A vingança da peroba foi publicado, primeiramente, com o nome de Chóó! Pan! Conta à história de uma briga entre vizinhos de dois sítios divididos por uma grande e velha peroba. O desfecho é surpreendente.
“[...] há em cada mato um pau que ninguém sabe qual é, a modo que peitado pra desforra dos mais. É o pau do feitiço. O desgraçado que acerta meter o machado no cerne desse pau pode encomendar a alma pro diabo, que está perdido.” (Lobato, Monteiro. Urupês 1918)
4. O homem da cabeça de papelão – João do Rio
Sob o pseudônimo de João do Rio, o também jornalista, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (ufa!) se aventurou em contos de teor fantástico e metáforas sociais. Em O homem da cabeça de papelão, Antenor, um cidadão bom e honesto sofre por pensar diferente dos moradores do País chamado de Sol, mas quando troca sua má cabeça por uma de papelão, sua vida muda completamente.
“– E o senhor fica com a minha cabeça?
– Se a deixar.
– Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso antar sem cabeça...
– Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.
– Regula?
– É de papelão! Explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.” (Rio, João do. Rosário da ilusão, 1921)
5. Os olhos que comiam carne – Humberto de campos
Humberto de campos, grande escritor e poeta brasileiro, nos presenteia com uma narrativa rápida e certeira. A história de um escritor que ficou cego, passou por uma cirurgia e voltou a enxergar coisas muito estranhas.
“E o que enxerga, na multidão de médicos e de amigos que o aguardam lá fora, é um turbilhão de espectros, de esqueletos que marcham e agitam os dentes, como se tivessem aberto um ossuário cujos mortos quisessem sair.” (Campos, Humberto de. O Monstro e outros contos, 1947)
6. Dizem que os cães veem coisas – Moreira Campos
Um dos melhores contistas brasileiros, na minha humilde opinião, e conheço ele há pouco tempo. Moreira Campos domina a arte de passar sentimentos em histórias curtas e carregada de simbolismo. Dizem que os cães veem coisas é um excelente exemplo disso. Uma festa na mansão de luxo, um presságio ruim que somente os cães percebem, uma fatalidade. O conto reforça a presença do fantástico brasileiro nos mitos.
“A onda de água despejou-se sobre Ela, que não se moveu: era trespassável e transparente. Floco de névoa pronto a esvoaçar. Permaneceu parada, a cara imóvel, nenhum ricto. Apenas parecia consultar no pulso um relógio invisível, para marcar o tempo.” (Campos, Moreira. Dizem que os cães veem coisas, 1987)
7. Canibais – Moacyr Scliar
Minha inspiração literária de infância não poderia ficar de fora dessa lista, talvez o menos Fantástico. Moacyr Scliar tem o tom certo para a ironia e não desperdiça nesse conto de embrulhar o estômago. Duas irmãs isoladas depois de um acidente, uma com muito alimento e a outra sem nada. A coitada, sem alternativa, resolve comer partes do próprio corpo...
“No décimo quinto dia, Angelina viu-se obrigada a abrir o ventre. O primeiro órgão que extraiu foi o fígado. Como estava com muita fome, devorou-o cru, apesar dos avisos de Bárbara, para que fritasse primeiro.” (Scliar, Moacyr. Contos Reunidos, 1995)
Para finalizar, quero fazer uma menção honrosa ao livro Assombrações do Recife velho de Gilberto Freyre. A obra é a essência dos mitos e dos causos, lê-la é como sentar-se ao redor da fogueira e ouvir as histórias na sua forma mais pura. Gilberto reúne na coletânea 27 assombrações e 12 casas habitadas por almas-penadas, na minha opinião, um dos maiores exemplos do fantástico sobrenatural e cultura brasileira.
“De mais de um sobrado velho do Recife se conta a mesma história. De alguns se diz que, em noites de escuro, se ouve ruge-ruge de sedas, som de piano de cauda tocando música do tempo antigo, passos de danças em salas cheias de sombras de bacharéis e iaiás pálida.” (Freyre, Gilberto. Assombrações do Recife velho, 1955)
Vamos à leitura!