O DIFÍCIL É VENCER A INÉRCIA

É natural que ocorra a compulsão do fazer, escrever, registrar o pensamento do “condenado” ao verso e/ou à prosa. Tudo começa com esta vontade de ‘comer’ o que está posto à mesa do conhecimento, digerir, curtir o Novo, enfim, manifestar-se sobre a sensação assimilada. Quanto a reescrever o registro inicial, também é parte da condenação ao pensar. Porque do nada nasce o nada. Quem não come não deglute. E o "digerir" consequente, especialmente em Poesia, consome um bom tempo. O escritor é tal qual um bovino: come e rumina, come e rumina, come e rumina. Segundo dizem, estes animais têm seis estômagos – o que não sei se cientificamente é verdade. Imagina que trabalheira para estes órgãos e o tempo gasto até chegar à absorção e os restos a excretar. Se não ocorrer o processo todo, de fio a pavio, como saber-se o final antecipadamente? Válido é o exercício a que o iniciante se entrega – a prática – e o regozijo que surge depois deste exercitar-se. Impõem-se, também, os parabéns pela persistência, por arte e incumbência do analista-receptor. Talvez a melhor alegoria para o poema e sua forma definitiva, seja a do bloco de pedra: de tanto rodar e rodar no mundo, a pedra vai gastando os cantos e chega à forma circular: a roda. Depois de tanto desgaste nos cantos, chegará a hora em que não haverá mais tanto excesso de bordas para rolar sobre a superfície em que se apoia. O difícil é encarar a inércia inicial. Enfim, vencer essa tendência natural de permanecer tudo como está. É realmente isso o que vale.

– Do livro O PAVIO DA PALAVRA, 2015.

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