"Jogo e Confissão' mira a poesia de Drummond com um novo olhar
O título do livro de Marlene de Castro Correia, "Drummond: Jogo e Confissão", sintetiza a dicção e a força dos ensaios da professora emérita da UFRJ. O volume reúne sete ensaios –seis publicados entre 1972 e 2009 e o estudo "Amor-humor", escrito para a presente publicação.
Jogo: a dedicação de uma vida à poesia de Carlos Drummond de Andrade evoca o caráter lúdico do ato de leitura e, no caso particular da autora, justifica plenamente a epígrafe, extraída de Roland Barthes: "O Texto é um objeto de prazer". O leitor dos ensaios de Correia percebe o alcance da máxima nos exercícios de leitura aqui reunidos.
Eurico Dantas/Agência O Globo
Drummond na livraria Leonardo da Vinci, em foto de 1982
Drummond na livraria Leonardo da Vinci, no Rio, em foto de 1982
Ao mesmo tempo, a noção de jogo é um traço da poesia moderna, como a autora reconhece no ensaio "Posse da palavra": "O debruçar-se angustiado da poesia sobre si mesma, questionando a sua razão de ser e o seu lugar na sociedade". A metalinguagem, portanto, possui um sentido propriamente lúdico; sentido explorado como poucos pelo Drummond do livro de estreia, "Alguma Poesia", de 1930.
No estudo "Poética da pedra", aliás, a autora se debruça sobre "No meio do caminho", poema que provocou autêntico escândalo em sua primeira publicação, em 1928, na "Revista de Antropofagia". A autora mostra como o poema literalmente reverbera em toda a obra do poeta, consistindo, assim, numa caixa de ressonância de obsessões existenciais e preocupações estéticas.
Confissão: Ricardo Piglia afirmou que a crítica literária é uma das formas modernas da autobiografia. Neste livro, acompanhar as quatro décadas de engajamento de Correia com a poesia de Drummond equivale a desfrutar de um longo diálogo tanto com a obra do poeta quanto com o olhar da pesquisadora; olhar que se torna cubista e aprende a mirar o mesmo poema com novas perspectivas. Em suas palavras, no ensaio "Amor-humor": "A poesia de Carlos Drummond de Andrade é de tal modo rica e multifacetada que instiga respostas várias à pergunta que ele se propõe na abertura do poema 'Legado': 'Que lembrança darei ao país que me deu / tudo que lembro e sei, tudo quando senti?'. Nós mesmos no passado optamos por soluções diversas a essa questão".
Ao mesmo tempo, o veio autobiográfico constitui um dos eixos da poética drummondiana, muito embora os estudos privilegiem a "Magia lúcida", título do ensaio que busca esmiuçar um traço fundador da literatura do autor de "Boitempo": "A autoconsciência do processo criador se define como projeto básico da poesia de Carlos Drummond de Andrade, continuamente voltada a si mesma, questionando-se como ser e fazer".
Em alguma medida, os ensaios propiciam ao leitor experiência similar, revelando uma pesquisadora que se questiona o tempo todo acerca da interpretação que acabou de propor.
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é professor de literatura comparada da UERJ.