O perninha !!!

O PERNINHA

Quando da promoção ao 2° ano da Academia Militar das Agulhas Negras eu eu me vi às voltas com um sério problema.

A escolha da arma.

Como todos estão carecas de saber, há algumas condicionantes que são,absolutamente necessárias e

que definem ou interferem de um modo tão incisivo no processo de escolha do quera,pois daí por por diante lhe vão regrar, não o comportamento no final da semana, mas sim o de toda a sua vida.

E eis-me então ,“piru” de Artilharia ,e com nota suficiente para escolher, dividido entre o meu feitio artilheiral e os meus mais chegados companheiros de três anos lá na velha EPPA...

Sapucaia, Carlos Caminha de Moura, Fanueli, Holleben, Kramer, Fábrega e Mota.

Havia, também, um maior número de unidades de cavalaria no sul, em relação aos aquartelamentos das outras armas e ,com isto, eu teria sempre mais oportunidade de servir no Rio Grande do Sul onde residiam os familiares da minha namorada esparramados por São Francisco de Assis, São Borja, Alegrete, Itaqui, Santana, Santa Maria e Bagé.

Grau eu tinha..... e então nem pensar.

Lá me fui aos beiçudos, mas sem ter maiores noções sobre o nobre amigo, a não ser aquelas ,que eu haurira através dos seriados domingueiros, com as lições do Tom Mix, do Buck Jones ou do Zorro lá no Cine Ramos.

A turma era pequena.

A maioria formada por gaúchos que, como sempre, agarrados ao chá-de-canudo, cantavam e contavam e recontavam as suas “estripulias” pelos pampas.

Eu, enturmado, só escutava ,sentindo pelo jeito, que tinha amarrado mal o meu cavalo.

Entre a instalação na Ala da Cavalaria e os primeiros dias de instrução, tudo numa boa...

Contudo, quando ponteou, no horizonte aeciano, o negocio de montar, a coisa pintou bem diferente.

Não era tão fácil quanto eu esperava.

E não era mesmo.

Acho que ,para cada momento montado, eu podia contar com uns cinco no chão.

Mas aguentei o repuxo e sai com um “Regular” naquele sub grupo.

O próximo subgrupo era denominado volteio e, quando me explicaram do que se tratava ,eu cheguei a pensar em deserção...

To falando serio, meu!!

Ponhas-te no meu lugar...

Um xiru ,que o mais próximo ,que tinha chegado a este tipo de movimentos e de parceria com um cavalo, tinha sido num circo meio “chiquê” lá em São Cristóvão e como espectador.

Aqui.!!!... Nem o cavalo de Ogum vai me dar moleza...

E eu acho que o meu Anjo da guarda pede licença prêmio e se manda... Contudo,reforcei, no fim de semana, as doses de chá de meliz, agregando passiflora e umas duas injeções de succil na veia, e me senti mais animado para enfrentar o desastre ,que se avizinhava, com os raios e trovões a que eu tinha direito.

Naquele dia eu estava com a moral lá no dedão, mas compareci a instrução.

A turma assanhada e louca p’ra demonstrar os seus atributos de cavalarianos se jogou na piruação e eu acabei ficando p’ro fim.

O assistir ao desempenho dos colegas animou-me um pouco, pois quase todos se atrapalhavam em ou outro movimento e se vinham ao chão.

E este movimento era meu velho conhecido.

Chão era comigo mesmo.

Estas falando com o próprio.....

Cadete 15... É.... era comigo mesmo que o Ten. João Ignácio estava falando. E eu me fui ao que,supunha ,seria o maior achincalhamento de um ser humano.

Amarrado a uma corda compridona, que a gauchada da turma teimava em chamar por um nome parecido com “sogra”, um rinoceronte fantasiado de cavalo, se movia arrogantemente em círculos, com passadas lentas e (eu acho que ele tinha isto de cor) a cabeça orgulhosa e fungando.

O impressionante, ao menos para mim, é que, em todas as voltas, ele circulava do mesmo jeito, com a mesma postura e, sempre a fungar, perfazia os círculos quase no mesmo tempo.

Não estava nem aí. Para “nosotros”.......

A sela lembrava uma cadeira de namorar com os braços, que se me pareciam dois argolões gigantes (deviam ser criados a Toddy) e mais nada. Acho que levei umas duas voltas para me desestupefatizar e me fui às argolas, imitando a pegada dos que me tinham antecedido.

E oigale tchê!!!

O impulso foi exagerado, pois passei por cima da sela, fui ao outro lado e, quando voltei,me enganchei, e bem, no assento duro.

Eu não acreditava que tinha feito aquilo e com tanta facilidade ,que passaria a tarde toda de um lado p’ro outro.

Estava exultante e inebriado comigo mesmo...

Sorvendo o doce néctar da minha vitória.

Silêncio na galeria e, quebrando-o, a voz de locutor da Rádio Nacional do 1°Ten.João Ignácio faz com que a !animação" pare e eu desça e desfile como um Cezar entrando em Roma, por entre os embasbacados companheiros d’armas.

Eles não podiam acreditar que aquele perna de pau do 211 fizera aquilo..... E o pior e que nem eu sabia o que havia acontecido.

Eu era “bão em volteio” e não sabia....

Evidente que, com isto, entrei na lista dos peixes negativos do Cap.Darcy Bueno Mussoi, do Cap. Lucinger Bulcão Viana e do Maj.José Fragomeni, pois nunca entenderam o acontecimento.

Tanto é verdade que, no episódio do meu desligamento da Aman, o meu conceito era de “indesejável ao Curso de Cavalaria”.

Crózeeees!!!!!!

Fui até penalizado com um licenciamento sustado, por mentir a respeito da minha experiência equina.

Bem que eu tentei entender a má vontade gratuita, mas não consegui encontrar razões para um raciocínio lógico e não me preocupei mais com o fato.

Os tenentes João Ignácio e Dario Bomfiglio da Costa, de certa forma me deram muito apoio, pois se lhes intuía, talvez, que eu não mentira. Tanto que, na festa da cavalaria do meu 3°ano um deles, não me lembro mais qual, me indicou para ser o homem, que a frente de um grupo de cavaleiros, e a galope, era atingido por um tiro inimigo e despencava-se do animal em movimento....

A coisa toda iria morrer por aí, mas acabei sendo desligado da Aman,quando faltavam quatorze dias para o Aspirantado,retornando a Academia e declarado Aspirante os 08 de agosto de 1954.

Fui, então, apresentado ao Exmo.Sr. Ministro de Estado e Negócios da Guerra General Ex. Zenóbio da Costa.

Ao findar-se a cerimônia Sua.Excia segurou-me pelo braço e, paternalmente, disse-me o seguinte: Aspirante Aécio (esse era o nome pelo qual eu era conhecido na família e entre os mais íntimos. Kauffmann era para uso militar) tendo em vista os transtornos que lhe causaram algumas descabidas acusações, o “seu ministro” vai lhe permitir que escolha a unidade em que deseja servir.

P’ra ser bem honesto, assim de saída, eu não percebi bem o oferecimento.. e redargui:

V.Excia. disse que eu posso escolher a unidade de cavalaria em que desejo servir!!!!

Exatamente, respondeu-me o Ministro.

Meio confuso eu ainda, “testavilhante”, perguntei.

Posso solicitar a minha classificação no Regimento de Cavalaria de Guardas.

Volta-se então S.Excia. para um dos oficiais e determina que se comunique ao DGP que o Aspirante Aécio deveria ser classificado no 1° RCG, por determinação do Ministro da Guerra.

Dest’arte o 211 estava sendo incluído no Quadro Efetivo dos Dragões da Independência (o aquário).

Após, e já no RCG, as apresentações de praxe o Cel.Enio da Cunha Garcia, comandante da unidade determina ,que me seja dada como montaria para os exercícios diários o animal destinado ao Gen. Souza Dantas, quando do desfile de Sete de Setembro.

Outrossim, determinou que se me destinassem o Baio n° 06 ,(animal símbolo da unidade e que representava o cavalo montado pelo Mal.Deodoro da Fonseca, quando da Proclamação da Republica) ,designando um oficial para instruir-me quanto ao uso das alimárias.

O baio ruano seria a minha montada quando do desfile em comemoração ao Sete de Setembro e nos treinamentos para a ocasião.

As diferenças eram gritantes. Assim como de um Fusquinha para uma BMW e isto quanto ao animal destinado ao uso diário.

Quanto ao animal de desfile não há termos de comparação, pois o baio ruano ,de crinas e cola branquíssimas, era graduado, pós-graduado e outras picardias em Alta Escola e treinado pelos “esporas de ouro” do 1°RCG.

A grande recomendação era “que eu apenas montasse e cingindo rédeas falsas deixasse que o baio desfilasse”. comandado pelos sons emitidos pela fanfarra do regimento.

Dos companheiros da Turma de 08 de maio ,eu acredito que alguns conheciam do meu montar, mas e os outros......

Quem me observava a montar o animal de uso diário nos exercícios lá na Quinta da Boa Vista ou no Campo de São Cristóvão só podia ver um cavaleiro conduzindo a sua alimária, com bastante habilidade, mas não podiam adivinhar do quão dócil e treinadérrimo era o meu conduzido. Gente!

Eu estava a montar o cavalo com o qual o General se apresentava em desfiles.

A montaria lembrava um percherron tupiniquim, tal o seu tamanho em relação aos demais animais do regimento e aquilo impressionava os que nos assistiam.

E eu, sobre aquele sofá-balanço ia contabilizando....

E durante muitos anos, sempre me mantive quieto e ,quando me perguntavam sobre as minhas qualidades de equitador. eu dava um jeito de desviar o assunto, mas “não afirmava e nem negava, antes pelo contrário.”.

Aí chegou o dia do desfile.!!!......

E foi aquele banho!!!.

A minha montaria só não dava quarenta passos num só ladrilho, como num tango, pois não “hablava” espanhol” e preferia samba de raiz, mas fez o que eu podia imaginar que fizesse e mais uns, de inhapa, (que levaram a assistência quase ao delírio) sem a menor preocupação comigo.

E o mais impressionante.!

Ele não me desequilibrava.!

Pelo contrário, o animal, pelo seu comportamento, me impunha um posicionamento sobre ele, a altura do seu porte e da sua exibição.

Depois disto o que é que eu podia dizer para o meu eleitorado.

kauffmann
Enviado por kauffmann em 11/10/2015
Reeditado em 11/10/2015
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