CAMINHOS DA POÉTICA
A rigor, o autor nunca sabe o caminho que está reservado ao texto, pois ele não nasce para andar solitário no mundo. É o leitor que traça e perfaz a sua caminhada. Tenho como assente que o poema não pertence a mim, e sim ao poeta-leitor. Sou, apenas, o dono dos eventuais direitos autorais sobre a obra. Assim, graças à generosidade do outro polo – o receptor – a peça poética cumpre a sua teleologia. E este, por ser composto de palavras ao vento – tal como tudo que está no mundo dos fatos – algum dia também se finará. Porque o tempo a tudo consome. É bom lembrar os versos do poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa, 1928: “... Ele morrerá e eu morrerei./ Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos./ A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também./ Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, / E a língua em que foram escritos os versos. / Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu. / Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente/ Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas...”. Todavia, talvez seja a palavra a grande resistente ao natural finar-se dos tempos, nessa plataforma dos terráqueos. Pouca humana consciência possuem esses bilhões de animaizinhos que minimamente se entendem, porquanto vivem a fazer guerras com a mesma naturalidade com que uma criança extermina soldados de chumbo nos seus exércitos de mentirinha...
– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.
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