ASPECTOS SOCIOCULTURAIS NA OBRA DE FRANCISCO LOBO DA COSTA FOCADOS NO POEMA "AQUELE RANCHINHO"
ASPECTOS SOCIOCULTURAIS NA OBRA DE LOBO DA COSTA FOCADOS NO POEMA “AQUELE RANCHINHO”
“O fenômeno sociocultural é a interação significativa entre dois ou mais indivíduos.” “Por interação entende-se todo evento pelo qual se manifesta em grau perceptível a influencia de uma parte sobre as ações exteriores ou estados mentais da outra.”
“Sem o conhecimento da sociedade e da cultura em que um indivíduo nasceu e se criou, não são compreensíveis nenhum dos traços de sua personalidade.”
Todo processo de interação humana significativa compõe-se de três fatores:
1) Os seres humanos que pensam, agem e reagem como sujeitos de interação;
2) Os significados, os valores e as normas pelas quais os indivíduos interagem, valorizando e trocando-os no curso da interação;
3) As ações externas e os fenômenos materiais, em sua qualidade de veículos ou condutores, através dos quais são objetivados e socializados os significados, valores e normas.
A interação significativa é impossível sem os veículos condutores de interação.
Entre os condutores a FALA é o meio fundamental de objetivação e transmissão de significados.
A vida sociocultural só é possível graças à existência da linguagem. A grande maioria dos seres humanos regula seu comportamento recíproco por meio da palavra.
As palavras são como uma corrente elétrica que passa entre os seres humanos.
Vamos considerar a palavra de Lobo da Costa “prosa e verso” como esta corrente eletrizante que, através dos anos, vem nos sensibilizando.
Seu texto reside em uma literatura romântica, mas também social, dramática e universal.
Sempre soubemos, através de depoimentos e conforme declarações de estudiosos da vida e obra do escritor que pessoas de todos os níveis sociais, recitavam há alguns anos atrás, no mínimo, algumas estrofes do popular “Aquele Ranchinho”.
Nosso olhar sobre Lobo da Costa vai direcionado ao contexto sócio-cultural em que viveu e consequências em seu texto mais popular “ “Aquele ranchinho”
Lobo nasceu em tempos de guerra. Poucos anos após a Revolução Farroupilha.
Quando irrompe a Guerra do Paraguai um clima de civismo invade a cidade, seu tio e primo alistam-se e partem para frente de batalha.
Com a rendição da cidade de Uruguaiana, ocupada pelos paraguaios, contagiado pela euforia geral, escreve aos doze anos um poema que exalta as armas nacionais.
Este contexto guerreiro marcou sua personalidade, pois no final da vida ainda trabalhava num poema de exaltação à gente farroupilha, projeto que não pode terminar.
A partir do decênio da Revolução Farroupilha, os jornais promoviam, principalmente, debates de interesses políticos.
Por volta de 1871 fez parte da redação do jornal Diário de Pelotas, transformado em centro de reunião dos republicanos e abolicionistas.
Na luta política entre conservadores e liberais a imprensa promovia campanhas veementes, das quais, por mais de uma vez sofreu consequências violentas, tendo que fugir para a cidade de Jaguarão.
Além de Porto Alegre, as cidades de Rio Grande e principalmente Pelotas eram pólos culturais.
Teatros, bibliotecas, jornais literários e noticiosos se sucediam. Livrarias e tipografias apoiavam as atividades intelectuais e artísticas.
Essas atividades culturais motivaram a fundação da Sociedade Partenon Literário que reuniu em seus quadros valiosos escritores da, embora tardia no Estado, escola romântica e entre eles Lobo da Costa.
A temática da sociedade cultural era a do amor e da morte, poemas de louvor a vultos rio-grandenses e brasileiros, a vibrante propaganda republicana. Regionalismo com temas em torno do gaúcho.
O regionalismo que se iniciava no Rio Grande do Sul o atraiu e, nessa modalidade, além de trovas incorporadas ao cancioneiro anônimo, compõe os poemas “Lá”, “ O Guasca” e “Aquele Ranchinho”, colocados entre os melhores do gênero.
O poema narrativo “Aquele Ranchinho” batizado pelo povo de “Ranchinho de Palha”,um dos poemas mais populares alcançou o domínio público e serviu de tema para o primeiro filme de ficção rodado no Rio Grande do Sul em 27 de março de 1909 com o título “ O Ranchinho do Sertão”.
Provavelmente, sua primeira redação pública seja de 1875, no Eco do Sul, incluído no título geral “Provincianas” e classificado como romance.
Escrito em redondilha maior (versos de sete sílabas) a simplicidade do discurso narrativo e a neutralidade do narrador favorecem o questionamento do estado de mundo subentendido ao texto, a partir dos valores de cada leitor, independente do contexto cultural.
No poema “Aquele Ranchinho” podemos observar o poder da imagem contida nas palavras.
O texto, desde o início, nos convida a penetrar no enredo, como se fizéssemos parte do diálogo travado sobre o mistério que envolve o rancho em ruínas.
Tu me perguntas a história
Daquele triste ranchinho,
Que abandonado encontramos,
Coberto por negros ramos
O cenário de abandono apresentado retrata o ambiente rural de base pastoril, com a maioria da população disseminada pela campanha guerreira.
Ai foi um drama de sangue
Que ali se deu... pois não vês!
Repara para as janelas...
O fogo passou por elas!
Seguindo o texto observa-se um homem idoso e uma jovem, largados no meio do campo, talvez, remanescentes de uma antiga família cujos membros foram dizimados pelas lutas constantes.
Ali morava um velhinho
E mais, um anjo de amor;
Criança bela e morena
Mais formosa que a açucena...
Maria, - a pálida flor,
Cujo perfume recende
Ainda aos pés do Senhor
A seguir, apresenta duas personagens humildes: Maria “a bela flor do posteiro” e Vito “ audaz cavalariano” , unidos pelo amor , sentimento universal e atemporal que a todos emociona e toca principalmente as moças românticas da época.
Maria e Vito se amaram
Iam seus fados unir,
Quando a trombeta da guerra
Plangente ecoou na serra
A luta armada que fazia parte do cotidiano do gaúcho até passado recente, separa o jovem par e instala o conflito no romance.
Porém antes... entre beijos
“Se eu morrer numa batalha,
Tu viverás só por mim?...”
A moça beijou-lhe a fonte
E respondeu-lhe: “ Pois sim.”
A notícia da morte de Vito instala o clima de suspense e aumenta a tensão e o mistério.
Morrera Vito em combate...
Morrera como um herói
Vestiu luto a pobrezinha,
O velho também vestiu...
Na narrativa, as ações, inicialmente dotadas de suave lirismo, vão aos poucos adquirindo contornos dramáticos.
Depois correu pela riba
Uma nova singular:
Que a bela flor do posteiro
C’o filho de um fazendeiro
Ia de pronto casar;
Vito, dado como morto, retorna para cobrar a fidelidade jurada.
Nos versos que descrevem Vito na sua volta, após os combates mortais, é uma figura completamente diferente, transfigurada pelos horrores das lutas travadas.
Denuncia as estruturas do poder constrangendo violentamente os mais fracos.
Víto, pobre e humilde é mandado para a guerra. O filho do fazendeiro permanece tranquilo na terra.
De repente pela encosta
Um cavaleiro desceu;
Era um vulto negro...negro...
Trazia enorme chapéu!
Trata também da submissão da mulher indefesa diante das convenções e preconceitos, a perversão dos valores sociais não muito diferentes dos dias atuais.
Na narrativa em questão Maria é vítima duas vezes; quando é obrigada a separar-se do amado e depois na explosão da violência passional.
Sobre o leito precipita-se
O camponês sem temor!
No punho a adaga flutua
Uma luta então se trava
Sendo Vito o vencedor.
“Pérfida! Brada o gaúcho
Vês o teu noivo? Morreu!
Baixou a mão e três vezes
No alvo seio a embebeu.
Maria e Vito são vítimas do sistema, assim como seu pai ou avô.
Sem levar em conta a dignidade da pessoa, as regras impostas colocam a contradição no íntimo de cada um, como exemplo, Vito era quase obrigado a vingar a traição gerando conflito e anulação da sua humanidade essencial.
O incêndio levara tudo
E fora cúmplice mudo
Fora cúmplice o trovão!
A impunidade tão bem abordada no texto tem como aliado um fenômeno da natureza, o trovão.
Observa-se a integração entre o homem e a natureza, o homem revoltado com a sociedade, preso aos conflitos interiores e camuflado ou protegido por uma energia superior que cai do céu.
Caros Amigos!!!
- Aí tendes a história que pedistes,
Do ranchinho do sertão!