IRONIA DA CARAVANA QUE PASSA

O escrever artístico é, no mínimo, inquietante. E é sempre urgente e necessário criarmos ações e situações que, ao invés de induzir à certeza, inculquem a dúvida (que leva à reflexão) na cabeça do leitor. Porque, em arte literária – no texto artístico – não ocorre a mera aplicação da lógica formal como propõem alguns filósofos. Destarte, mercê da intrínseca codificação verbal, aqueles que são condenados ao verso e à prosa artística – como pessoas – devem ser sujeitos ativos de ações coerentes, limpas, sinceras e fraternas, no mundo dos fatos. Honestos e lúcidos para conduzir a trajetória da caravana de letrinhas e signos que traduzem o pensamento como fora uma tempestade quase plácida e obediente, apesar dos caminhos tortuosos e inusitados. Tudo devido ao domínio que a palavra exerce sobre a nossa mania de garatujar e dizer o verso, pautando a natural emoção e de certa inconsciência no processo da intuição criativa. Também para chegar a bom termo, quando prevalece a intelecção – da prosa rasa e despretensiosa extrair-se a verdade possível e plausível. Em estado de veracidade, quase tudo é digno de nota. As pessoas desejam estar em estado de pureza e a verdade criada no texto sugere que ela pode vir a ser permanente... E isto é desafiante: tal como um forasteiro, estar-se nos territórios de domínio dos desafios do presente, passado e futuro. E relatá-los com paixão e zelo, à revelia dos inesperados riscos e coitos imprevisíveis que ocorrem a toda hora. O senão do texto mal acabado e inverídico exaure-se como a tempestade que passou e não deixou sequelas. Aquele que chega cansado ao futuro dos dias, seja no verso, seja na prosa, morre aos poucos na ânsia de chegar...

– Do livro OFICINA DO VERSO, 2015.

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