Todos os índices do mercado editorial encolheram, com exceção da modalidade digital. A venda de livros, por exemplo, despencou acima dos 5%. O número de leitores também diminuiu, de acordo com o atual senso da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Justifica-se os dados decadentes pelo aperto nas vendas para o governo. No entanto, prefiro acreditar nos muitos paranoicos que reverberam sobre as estratégias equivocadas das editoras e da própria configuração corporativa do nosso ambiente literário. É a teoria da conspiração.
A literatura no Brasil sempre brotou de feudos, um hábito desenhado desde o século 19 e institucionalizado com a criação da Academia Brasileira de Letras. Não imagino como o velho Machado reagiria se pudesse ver no que a ABL se transformou, se cairia em prantos ou sorriria satisfeito. Quando lemos a magnífica biografia escrita por Luís Viana Filho (A vida de Machado de Assis, ed. José Olympio) e olhamos para a correspondência trocada entre o bruxo do Cosme Velho e outros tantos escritores (neófitos e consagrados), nos salta aos olhos o intenso carinho solidário e a humildade visceral que transborda das cartas. Havia um amor pulsante pela arte literária que fugia à vulgaridade do glamour pessoal. Os antigos eram simpáticos às novidades, fomentavam talentos nascentes e abraçavam os que se arriscavam nas letras. Ao mesmo tempo que existiam as panelas, destacava-se a vontade de incluir. O amor à arte superava o amor próprio.
Com o tempo, os valores se inverteram. Em nossos dias, a extrema mercantilização da palavra descaracterizou o objetivo estético e social da arte, a persona sobrepõe-se ao trabalho. O escritor foi caracterizado como vendedor e vende-se o vendedor antes de se vender a obra. Um artifício muito semelhante ao usado por estelionatários, que vendem a própria imagem antes de venderem um conteúdo que não existe e que caracteriza o golpe.
Hoje, há um círculo, um Country Club onde só penetram jornalistas, atores de grandes Redes de TV, intelectuais de Ipanema e figuras com algum tipo de status social que desperte a admiração das massas. A elitização da fama. A obra como coadjuvante do autor e a veneração pública como fator comercial, nos dão espelhos em troca do nosso ouro. O hiato da colonização e de algumas ditaduras nos fez carentes de referências, nos inoculou o vício de bajularmos ídolos de barro.
Por outro lado, a política das editoras contemporâneas, que aos poucos vão se entregando a um sistema que beira o monopólio, não discriminam gêneros literários, mas promovem uma pasteurização dos estilos. É uma tática sutilíssima e perniciosa a serviço do lucro. As silenciosas exigências para a publicação abriram espaço para um novo profissional, o coach para escritores, ele ensina fórmulas e molda o autor para que seja aceito mais facilmente por alguma casa editorial.
Com uma caneta, um caderno e uma ideia podemos fazer literatura? Não. Podemos escrever sobre linhas incertas, mas a literatura (que pressupõe leitores) se tornou um ofício que exige infraestrutura promovida por quantias indigestas de dinheiro. Por conta dessa personalização da arte literária, o escritor só é escritor se estiver apoiado num bom marketing pessoal, talvez com assessoria de imprensa, que o conduza às poucas mídias que divulgam o livro. Não há mais romantismo na escrita, o poeta sem dinheiro e suporte editorial não enxerga nem a Lua.
No cenário de castas do nosso universo literário, ficam visíveis somente aqueles que encontram a oportunidade de se acomodarem sob os dispendiosos holofotes midiáticos. O resto é resto, uma legião de figurantes que orbita o vácuo. Sim, existem as trincheiras, pequenas editoras que se empenham na resistência, que publicam a periferia e arrebatam prêmios para os anônimos. Nomes que surgem como vitoriosos nessa guerrilha, raras exceções que, além de editoras, poderiam ser consideradas entidades filantrópicas. Infelizmente, qualquer exceção está longe de alterar o rumo da realidade cultural da literatura brasileira.
No meio desse imbróglio de vaidades, os promotores de eventos choramingam quando perdem a verba governamental para realizarem jornadas e festivais de literatura. Minha ignorância pragmática não cessa de me perguntar: o que é preciso para um encontro literário, além de um caixote para dispor os livros e uma tenda de lona para nos proteger das intempéries? Um pouco de boa vontade e espírito franciscano valem muito mais do que o financiamento estatal, o que nos leva a crer que esses subsídios públicos acabam servindo para promover os próprios promoters.
O capital que rege o sistema de publicação de livros no Brasil vem se revelando um tiro no pé, restringem as preferências, adestram os leitores, depreciam a qualidade dos textos e o resultado do lucro rápido reflui na ameaça do prejuízo. Lemos o que querem que leiamos, mas a natureza nos ensina que o reflexo reluzente boiando à luz do sol na superfície das águas é, geralmente, o excremento que não afunda. A vida brota nas camadas mais profundas, onde a inteligência desenvolve luz própria e evolui porque insiste.
A literatura no Brasil sempre brotou de feudos, um hábito desenhado desde o século 19 e institucionalizado com a criação da Academia Brasileira de Letras. Não imagino como o velho Machado reagiria se pudesse ver no que a ABL se transformou, se cairia em prantos ou sorriria satisfeito. Quando lemos a magnífica biografia escrita por Luís Viana Filho (A vida de Machado de Assis, ed. José Olympio) e olhamos para a correspondência trocada entre o bruxo do Cosme Velho e outros tantos escritores (neófitos e consagrados), nos salta aos olhos o intenso carinho solidário e a humildade visceral que transborda das cartas. Havia um amor pulsante pela arte literária que fugia à vulgaridade do glamour pessoal. Os antigos eram simpáticos às novidades, fomentavam talentos nascentes e abraçavam os que se arriscavam nas letras. Ao mesmo tempo que existiam as panelas, destacava-se a vontade de incluir. O amor à arte superava o amor próprio.
Com o tempo, os valores se inverteram. Em nossos dias, a extrema mercantilização da palavra descaracterizou o objetivo estético e social da arte, a persona sobrepõe-se ao trabalho. O escritor foi caracterizado como vendedor e vende-se o vendedor antes de se vender a obra. Um artifício muito semelhante ao usado por estelionatários, que vendem a própria imagem antes de venderem um conteúdo que não existe e que caracteriza o golpe.
Hoje, há um círculo, um Country Club onde só penetram jornalistas, atores de grandes Redes de TV, intelectuais de Ipanema e figuras com algum tipo de status social que desperte a admiração das massas. A elitização da fama. A obra como coadjuvante do autor e a veneração pública como fator comercial, nos dão espelhos em troca do nosso ouro. O hiato da colonização e de algumas ditaduras nos fez carentes de referências, nos inoculou o vício de bajularmos ídolos de barro.
Por outro lado, a política das editoras contemporâneas, que aos poucos vão se entregando a um sistema que beira o monopólio, não discriminam gêneros literários, mas promovem uma pasteurização dos estilos. É uma tática sutilíssima e perniciosa a serviço do lucro. As silenciosas exigências para a publicação abriram espaço para um novo profissional, o coach para escritores, ele ensina fórmulas e molda o autor para que seja aceito mais facilmente por alguma casa editorial.
Com uma caneta, um caderno e uma ideia podemos fazer literatura? Não. Podemos escrever sobre linhas incertas, mas a literatura (que pressupõe leitores) se tornou um ofício que exige infraestrutura promovida por quantias indigestas de dinheiro. Por conta dessa personalização da arte literária, o escritor só é escritor se estiver apoiado num bom marketing pessoal, talvez com assessoria de imprensa, que o conduza às poucas mídias que divulgam o livro. Não há mais romantismo na escrita, o poeta sem dinheiro e suporte editorial não enxerga nem a Lua.
No cenário de castas do nosso universo literário, ficam visíveis somente aqueles que encontram a oportunidade de se acomodarem sob os dispendiosos holofotes midiáticos. O resto é resto, uma legião de figurantes que orbita o vácuo. Sim, existem as trincheiras, pequenas editoras que se empenham na resistência, que publicam a periferia e arrebatam prêmios para os anônimos. Nomes que surgem como vitoriosos nessa guerrilha, raras exceções que, além de editoras, poderiam ser consideradas entidades filantrópicas. Infelizmente, qualquer exceção está longe de alterar o rumo da realidade cultural da literatura brasileira.
No meio desse imbróglio de vaidades, os promotores de eventos choramingam quando perdem a verba governamental para realizarem jornadas e festivais de literatura. Minha ignorância pragmática não cessa de me perguntar: o que é preciso para um encontro literário, além de um caixote para dispor os livros e uma tenda de lona para nos proteger das intempéries? Um pouco de boa vontade e espírito franciscano valem muito mais do que o financiamento estatal, o que nos leva a crer que esses subsídios públicos acabam servindo para promover os próprios promoters.
O capital que rege o sistema de publicação de livros no Brasil vem se revelando um tiro no pé, restringem as preferências, adestram os leitores, depreciam a qualidade dos textos e o resultado do lucro rápido reflui na ameaça do prejuízo. Lemos o que querem que leiamos, mas a natureza nos ensina que o reflexo reluzente boiando à luz do sol na superfície das águas é, geralmente, o excremento que não afunda. A vida brota nas camadas mais profundas, onde a inteligência desenvolve luz própria e evolui porque insiste.