O ALIENÍGENA OU LOUCURA E RAZÃO NOS CONFINS DO BRASIL
Nesse conto, Machado de Assis mostra como as teorias cientificistas de cunho positivistas são assimiladas pelos cientistas locais e a sua relação com o poder. Entre os poderes da ciência e o da política está uma população feita refém das experiências de uma ditadura científica e de outro lado utilizada como massa de manobra pelos poderosos de plantão. Outro aspecto interessante a notar é que o conto revela como a ciência também incorre em erros e dúvidas quando pretende determinar uma norma geral de conduta para o comportamento humano, igualando todos os indivíduos.
O conto mostra como o protagonista toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência sem se preocupar com as consequências, ou seja é o emprego dos meios a disposição da ciência (teorias, hipóteses, métodos) sem a reflexão sobre suas aplicações e fins. De outro lado Machado de Assis chama o leitor atento a questões cientificas como a relatividade da ciência, pois a cada teoria testada o cientista pensa estar diante de uma verdade absoluta. Parece um enredo comum a todo o Século XX, onde a tecnocracia se une ao poder político para oprimir a maioria onde todos de alguma maneira devem se encaixar na norma.
Machado de Assis, também reflete sobre o poder do cientista e as suas conexões com os interesses políticos. Mostra também que a imparcialidade do cientista não existe. Até mesmo quando faz escolhas acerca do objeto de estudo, o faz baseando-se em valorações e interesses, como fez o protagonista do conto machadiano. Pode-se perceber que a “imparcialidade” não se dá nem mesmo quanto à observação dos fatos e da experiência “desinteressada”, por onde os cientistas obtém suas conclusões científicas. Sabe-se que o cientista não apenas observa os fatos, mas tem que interpretá-los e os interpreta com toda a sua carga valorativa.
A literatura tem muito a nos dizer, sem pretender almejar a ser ciência ou ter um discurso cientifico ela tem uma importância tanto quanto a ciência na construção de representações semelhantes àquelas produzidas pelos discursos científicos, filosóficos ou políticos. O fato é que a arte e os artistas são uma espécie de “antenas da raça” como afirma o critico literário norte-americano Ezra Pound (1875-1972) . Ao contrário da história a ficção fornece informações sobre o real sem a pretensão de representá-lo tal como é. A esse respeito podemos nos inspirar também em Michel Foucault na medida em que uma de suas preocupações filosóficas é a analise do discurso para compreender as relações entre saber e poder.
É nesta perspectiva que abordamos um conto de um escritor brasileiro, talvez o mais expressivo de nossa literatura, o conto é O Alienista (1882) e o seu autor é Machado de Assis (1839-1908). Os personagens do conto são Dr. Simão Bacamarte, o protagonista do conto; D. Evarista sua esposa; Crispim Soares, farmacêutico e amigo de Simão Bacamarte; Padre Lopes, pároco local; Porfírio, o barbeiro. O conto narra as peripécias de Simão Bacamarte “ homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência ”, Assim o narrador inicia o conto:
É nesta perspectiva que abordamos um conto de um escritor brasileiro, talvez o mais expressivo de nossa literatura, o conto é O Alienista (1882) e o seu autor é Machado de Assis (1839-1908). Os personagens do conto são Dr. Simão Bacamarte, o protagonista do conto; D. Evarista sua esposa; Crispim Soares, farmacêutico e amigo de Simão Bacamarte; Padre Lopes, pároco local; Porfírio, o barbeiro. O conto narra as peripécias de Simão Bacamarte “ homem de Ciência, e só de Ciência, nada o consternava fora da Ciência ”, Assim o narrador inicia o conto:
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a univer- sidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.- A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo. Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. (ASSIS, 2004, 93)
Em seguida o narrador informa a razão “demasiada humana” que leva o cientista a se entregar de corpo e alma a ciência: a desilusão de não poder ter um herdeiro, já que sua esposa, D. Evarista a despeito de “ reunir as condições fisiológicas e anatômicas” estava impossibilitada gerar filhos. Desse modo para curar a sua decepção “mergulhou inteiramente no estudo e na prática da medicina e foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, - o recanto psíquico , o exame da patologia cerebral.” Munido de razões de ordem prática “já que não havia na colônia, e ainda no reino , uma só autoridade em semelhante matéria , mal explorada, ou quase inexplorada [...] .” Vaidoso, aproveita a ocasião para objetar que este ramo das ciências poderia lhe trazer fama, prestigio e glórias, já que nem na colônia e no reino não havia autoridade no assunto. Em conversa com o boticário do lugar ele vai dizer “– a saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.”
Como em Itaguaí, o poder público “fazia caso dos dementes” estava pouco preocupado com a saúde mental, relegando aos loucos furiosos, a reclusão da alcova em recinto doméstico “até que a morte o vinha defraudar do beneficio da vida; os mansos andavam à solta pela rua.” Assim munido de “ideais humanitários” (grifo meu) Simão Bacamarte solicita a Câmara de Vereadores permissão para fundar um asilo em Itaguaí e mesmo tendo resistência de alguns vereadores consegue a concessão pública para realizar seu intento fundando na vila um asilo chamado Casa Verde.
O objetivo maior do cientista era “[...] estudar profundamente a loucura, seus diversos graus, classificar-lhes os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal.” Inaugurado a casa de loucos e desobrigado da administração amiúde, tarefa que delega a terceiros, o cientista se debruça a pesquisar e classificar os tipos de loucura como manda o método das ciências naturais. Para a loucura estabeleceu duas classes principais: os furiosos e os mansos, e depois passou as subclasses e assim por diante. Em seguida passou a recolheu à Casa Verde os doentes mentais que atendiam perfeitamente aos parâmetros de loucura e que eram de conhecimento público e notório.
Numa mudança de critério e estendendo o terreno da patologia cerebral, Simão Bacamarte resolve testar uma nova teoria: loucos agora seriam aqueles que até então tinham um comportamento aceito como normal pela sociedade. Ao expor as razões ao Padre Lopes este lhe adverte que se as fronteiras entre alienação mental e normalidade já estavam bem delimitadas seria temerário transpô-las. Sem dar ouvidos ao padre, e em nome dos altos ideais da ciência, ele amplia o território da loucura “A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades , fora daí é só insânia, insânia, e só Insânia.”
Em seguida numa nova guinada teórica o cientista decide adotar novos critérios: loucos agora eram os leais, os justos, os honestos, e o próprio Padre Lopes foi um de suas vitimas, por ser homem de muitas virtudes; além do padre muitos outros cidadãos da vila tido como loucos pela nova teoria tiveram a mesma sorte.
Ocorre uma insatisfação da população descontente com as arbitrariedades do cientista. O barbeiro Porfírio, oportunista se aproveita da insatisfação popular e toma o poder para si. O surpreendente é que apesar de ser a causa da revolta, Simão Bacamarte, que esperava sofrer algum tipo de retaliação, não sofreu; tudo ficava como estava e o barbeiro, liderando o novo governo se nega a puni-lo justificando que não se mete em questões científicas, enquanto que Simão Bacamarte continua seu intento de recolher aqueles a quem julgava portador de loucura; e assim interna 50 revoltosos e o próprio líder da revolução, justificando tal atitude ao fato de que eles atendiam aos critérios de sua nova teoria. Em seguida quem é recolhida a Casa Verde é sua própria esposa por viver preocupada com futilidades.
Numa reviravolta que surpreende, Simão Bacamarte resolve soltar todos os que estavam recolhidos na Casa Verde e não foi um gesto humanitário, foi apenas uma constatação estatística: o cientista havia percebido que a maioria dos moradores da vila, estava sob os seus “cuidados” científicos. Ele deduz que seu padrão para a loucura incorria num erro como a maioria da cidade seria louca e a minoria não? Agora ele tinha uma ultima teoria: diante dos fatos devia-se admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como patológico, o seu contrário assim acreditava que havia encontrado as causas da loucura. O único ser perfeito de Itaguaí era o próprio Simão bacamarte. Logo somente ele deveria ir para a Casa Verde. Ao consultar os homens importantes do lugar e o padre ele decide soltar todos os internados da Casa Verde e ele próprio se autointerna no manicômio, como afirma o narrador:
Como em Itaguaí, o poder público “fazia caso dos dementes” estava pouco preocupado com a saúde mental, relegando aos loucos furiosos, a reclusão da alcova em recinto doméstico “até que a morte o vinha defraudar do beneficio da vida; os mansos andavam à solta pela rua.” Assim munido de “ideais humanitários” (grifo meu) Simão Bacamarte solicita a Câmara de Vereadores permissão para fundar um asilo em Itaguaí e mesmo tendo resistência de alguns vereadores consegue a concessão pública para realizar seu intento fundando na vila um asilo chamado Casa Verde.
O objetivo maior do cientista era “[...] estudar profundamente a loucura, seus diversos graus, classificar-lhes os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio universal.” Inaugurado a casa de loucos e desobrigado da administração amiúde, tarefa que delega a terceiros, o cientista se debruça a pesquisar e classificar os tipos de loucura como manda o método das ciências naturais. Para a loucura estabeleceu duas classes principais: os furiosos e os mansos, e depois passou as subclasses e assim por diante. Em seguida passou a recolheu à Casa Verde os doentes mentais que atendiam perfeitamente aos parâmetros de loucura e que eram de conhecimento público e notório.
Numa mudança de critério e estendendo o terreno da patologia cerebral, Simão Bacamarte resolve testar uma nova teoria: loucos agora seriam aqueles que até então tinham um comportamento aceito como normal pela sociedade. Ao expor as razões ao Padre Lopes este lhe adverte que se as fronteiras entre alienação mental e normalidade já estavam bem delimitadas seria temerário transpô-las. Sem dar ouvidos ao padre, e em nome dos altos ideais da ciência, ele amplia o território da loucura “A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades , fora daí é só insânia, insânia, e só Insânia.”
Em seguida numa nova guinada teórica o cientista decide adotar novos critérios: loucos agora eram os leais, os justos, os honestos, e o próprio Padre Lopes foi um de suas vitimas, por ser homem de muitas virtudes; além do padre muitos outros cidadãos da vila tido como loucos pela nova teoria tiveram a mesma sorte.
Ocorre uma insatisfação da população descontente com as arbitrariedades do cientista. O barbeiro Porfírio, oportunista se aproveita da insatisfação popular e toma o poder para si. O surpreendente é que apesar de ser a causa da revolta, Simão Bacamarte, que esperava sofrer algum tipo de retaliação, não sofreu; tudo ficava como estava e o barbeiro, liderando o novo governo se nega a puni-lo justificando que não se mete em questões científicas, enquanto que Simão Bacamarte continua seu intento de recolher aqueles a quem julgava portador de loucura; e assim interna 50 revoltosos e o próprio líder da revolução, justificando tal atitude ao fato de que eles atendiam aos critérios de sua nova teoria. Em seguida quem é recolhida a Casa Verde é sua própria esposa por viver preocupada com futilidades.
Numa reviravolta que surpreende, Simão Bacamarte resolve soltar todos os que estavam recolhidos na Casa Verde e não foi um gesto humanitário, foi apenas uma constatação estatística: o cientista havia percebido que a maioria dos moradores da vila, estava sob os seus “cuidados” científicos. Ele deduz que seu padrão para a loucura incorria num erro como a maioria da cidade seria louca e a minoria não? Agora ele tinha uma ultima teoria: diante dos fatos devia-se admitir como normal o desequilíbrio das faculdades e como patológico, o seu contrário assim acreditava que havia encontrado as causas da loucura. O único ser perfeito de Itaguaí era o próprio Simão bacamarte. Logo somente ele deveria ir para a Casa Verde. Ao consultar os homens importantes do lugar e o padre ele decide soltar todos os internados da Casa Verde e ele próprio se autointerna no manicômio, como afirma o narrador:
Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça, juntamente alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato contínuo, recolheu-se a Casa Verde. Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que ficasse, que estava perfeitamente são e equilibrado: nem os rogos nem sugestões nem lágrimas o detiveram um só instante. (ASSIS, 2004, 133)
Em uma autoconfissão o cientista em tom melancólico afirma: “A questão é cientifica; trata-se de uma doutrina nova, cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática”.
Nesse conto, Machado de Assis mostra como as teorias cientificistas de cunho positivistas são assimiladas pelos cientistas locais e a sua relação com o poder. Entre os poderes da ciência e o da política está uma população feita refém das experiências de uma ditadura científica e de outro lado utilizada como massa de manobra pelos poderosos de plantão. Outro aspecto interessante a notar é que o conto revela como a ciência também incorre em erros e dúvidas quando pretende determinar uma norma geral de conduta para o comportamento humano, igualando todos os indivíduos.
O conto mostra como o protagonista toma como verdade absoluta os pressupostos da ciência sem se preocupar com as consequências, ou seja é o emprego dos meios a disposição da ciência (teorias, hipóteses, métodos) sem a reflexão sobre suas aplicações e fins. De outro lado Machado de Assis chama o leitor atento a questões cientificas como a relatividade da ciência, pois a cada teoria testada o cientista pensa estar diante de uma verdade absoluta. Parece um enredo comum a todo o Século XX, onde a tecnocracia se une ao poder político para oprimir a maioria onde todos de alguma maneira devem se encaixar na norma.
Machado de Assis, também reflete sobre o poder do cientista e as suas conexões com os interesses políticos. Mostra também que a imparcialidade do cientista não existe. Até mesmo quando faz escolhas acerca do objeto de estudo, o faz baseando-se em valorações e interesses, como fez o protagonista do conto machadiano. Pode-se perceber que a “imparcialidade” não se dá nem mesmo quanto à observação dos fatos e da experiência “desinteressada”, por onde os cientistas obtém suas conclusões científicas. Sabe-se que o cientista não apenas observa os fatos, mas tem que interpretá-los e os interpreta com toda a sua carga valorativa.