JOÃO FREIRE RIBEIRO, POETA SERGIPANO

João Freire Ribeiro, poeta sergipano de cuja fortuna crítica constam os nomes e os elogios de Luiz da Câmara Cascudo, Núbia Marques, José Olino, Gilberto Amado, Mário Cabral, faleceu, em 1975, quando eu estava aos vinte e sete anos de idade e me recordo desse nome na boca de muitos aracajuanos. Quando passei a frequentar a Academia Sergipana de Letras, novamente ouvi sobre o poeta, oportunidade em que os versos de Ribeiro foram declamados por Gedalva Vital, uma assídua frequentadora das sessões da Academia Sergipana de Letras.

Segundo o Presidente da ASL, o Dr. José Anderson Nascimento, a primeira pessoa a declamar em presença de Imortais o poema Pepita Tangil foi José Ferreira Lima (falecido), contemporâneo e apreciador da obra de Freire Ribeiro. A segunda a declamar foi a jovem Dirce Nascimento. A personagem espanhola Pepita Tangil entrou pelos meus ouvidos e se alojou em minha alma. Tanto se alojou que escrevi versos inspirados nesse texto e interagindo com os de Freire.

O tempo no tempo, como nos versos de Freire Ribeiro, correu, correu até que, um belo dia, o poeta adentrou minha casa em formato de livro. Assim, a cada página, verso, narrativa, ele me proporcionou fortes sensações, saudades, nostalgias, encantamentos, sortilégios e curiosidades.

Quem seria esse poeta e por que eu, conhecendo um pouco da vida e da obra de brasileiros, portugueses, franceses, escoceses, ingleses, norte-americanos, espanhóis, ainda não havia lido e jamais me encontrei em escolas ou livrarias com a obra que o sergipano produziu? Por quê? Fico desconfiada e pergunto mais: quantos permanecerão nas salas de aula sem conhecer a poesia de João Freire Ribeiro? A quantos serão negados os seus poemas, as suas figuras de linguagem, de pensamento, de estilo? A quantos inocentes alunos será fechada a porta das magníficas paisagens descritas pelo nosso poeta? Querem ler? Então seleciono alguns versos para mostrar a vocês: Os engenhos parados! / Os engenhos cansados / No tempo sem fim! / Os engenhos, coitados, / Sem cana nos prados, / Engenhos cercados / De mato e capim!

Nestes versos do poema Cânticos, em louvor dos engenhos parados, o poeta registra a fase da decadência do período açucareiro no Estado de Sergipe. Em outros poemas voltou à mesma temática, celebrando as figuras do sinhozinho e da sinhazinha, de todo o contexto da casa grande e da senzala. Em outro Cântico louvou a chaminé morta, elaborando versos de uma grandeza poética difícil de definir, fotografando a chaminé do Engenho Taperoá, de Pedro Leal Bastos, em Itaporanga d’Ajuda: Hoje, ela parece, então, / Lembrando o tempo em que viveu, / Uma vela presa à mão, / Do engenho que morreu!

Em Sinhozinho, João Freire Ribeiro nos coloca diante de um jovem filho de Senhor de engenho, uma espécie de galã daqueles anos de campos dourados e fartos em tudo, quando os donos da riqueza ostentavam todo o poder no Nordeste. Em meio a essa realidade socioeconômica surge imponente aquele rapaz Vestido de branco / Botas luzentes, / Estribos vistosos / Em prata de lei, / Anéis pelos dedos, / Chapéu puro Chile, / Charuto cheiroso, / Sinhozinho era um Rei!

Isto mesmo, Sinhozinho era um rei dos verdes canaviais nos quais o negro era escravizado, mas o jovem rei tudo podia, inclusive ser noivo da branca Sinhazinha e fazer filhos nas negrinhas. Essa narrativa feita em versos por Freire Ribeiro arrebata a alma, a mente, estufa o peito de emoção. Cenas das festas no engenho, o casamento de Sinhozinho com Sinhazinha, a recatada, rica e alva menina, como uma princesa, vestida de noiva, entrando pela igreja iluminada. Sinhazinha sabia das peraltices do Rei, mas fingia convenientemente: Sinhazinha sorria. / Sinhazinha encantada / De tudo esquecia / Beijando o Sinhô, / Embora soubesse / No meio da festa / Estava um negrinho / Buscando o “padrinho” / Da cama nagô.

O casal envelheceu e a fumaça de vida, como aquela da chaminé, cessou. Sinhozinho partiu primeiro. E quem quiser mais, leia o poema inteiro e sinta vibrar o seu sangue nordestino.

Mas, o poeta não cantou apenas o ambiente dos engenhos de cana de açúcar, foi diversificada a temática de João Ribeiro, toda ela de um lirismo tão longo, profundo, profético... Além dos Cânticos, há o poema relato, fotografia, quadro pintado em todas as cores, Feira do Aracaju (contribuição ao primeiro centenário da capital 1855-1955), publicado em 1954. E por onde eu andava em 1954? Aos seis anos de idade, por certo brincando de bonecas e ouvindo meu pai lamentar a morte de Getúlio Vargas.

Em Feira do Aracaju, assim como Luiz Gonzaga cantou a Feira de Caruaru que fazia gosto de ser vista, Freire fez o mesmo com a nossa, cantando com Passarinhos cativos nas gaiolas / De talo de coqueiro. Pintassilgos, / Azulões, canários, periquitos, / cabeças, curiós, aves saudosas.

Passeando pelo mercado, o poeta despertou os nossos olhos para aquele festival de cores e a boca para as delícias e os sabores; mostrou a Banca do peixe: vermelhas e robalos, / Curimãs, arraias, camarões, / Que são delícias numa mesa / No paladar de todos os glutões! Também prestigiou o peixe de Propriá, o gordo curimã nadando em leite de coco e dendê.

E não posso colocar um ponto final nestas considerações sobre a poesia de João Freire, um romântico, um homem dedicado de corpo e alma à poesia, a olhar os céus de sua terra, o azul das manhãs e as estrelas brincando na noite. Quanto admirou o luar, descrito em versos que são pedacinhos da própria lua, assim como se a rainha da noite fizesse questão de abençoar o poeta. Senão, vejamos que grandiosidade ao descrever a visão da hora morta no Convento do Carmo, em São Cristóvão, em Sergipe del Rey:

Alta noite, no silêncio / Desta praça sossegada, / Escuto cheio de medo, / Um ai de alma penada! / Dos “Carmelitas Descalços” / O Convento majestoso, / Sob as mortalhas da lua, / Cisne branco, cisne imenso / No lago das horas mortas, / Resplandecente, flutua!

Freire Ribeiro parece feito de amor e de lirismo, quer se dedique a horas mortas quanto a horas vivas. A mulher aparece em sua obra, vista de diversas maneiras, quer como a Sinhazinha crédula no Sinhozinho, quer como a negra mãe de filhos dele, quer como a figura bíblica da imponente e bela Salomé, ou ainda como a beduína de seus enleios, sua musa; e a espanhola Pepita Tangil.

O poeta descreve Salomé no momento em que entra na sala real para que se cumprisse a sina de João Batista: À meia noite / A sala invade, deslumbrantemente, / Satânica mulher dançando nua, / Tendo nos olhos um fulgor ardente, / Nos seios belos o palor da lua!

Instante de angústia, amor e sofreguidão se faz sentir quando o poeta procura a sua amada, a beduína de suas miragens, e lhe declara amor:

De nada sei... Não sei onde te encontras. / Onde apresentas, meu amor, as montras / Dos teus encantos que me desgraçaram! // Sei que te amo, sei que não te esqueço, / Joia rara de Ormuz que não mereço, / Dor dos meus olhos que por ti choraram!

O poeta João Freire Ribeiro produziu também em prosa. A novela intitulada Bartíria, além de focalizar aspectos do centro antigo de Aracaju, no início do século XX, sela a preocupação do vate com as causas sociais. Bartíria, bela mulher mundana que veio dar com os costados no cabaré de Aninha, foi o supremo desejo e loucura de todos os homens e festa das noites mágicas da cidade onde colocava à disposição o seu corpo moreno. Bartíria envelheceu, gastou-se em falsos amores e morreu na miséria. Teria sido enterrada no velho Cemitério Cambuís. Tantos tipos aracajuanos estão vivamente e para sempre perfilados nessa obra que logo será publicada em edição especial da Revista número 40, da Academia Sergipana de Letras, comemorativa ao centenário de nascimento do poeta e acadêmico que ocupou a Cadeira 13 do sodalício sergipano.

Vale acrescentar que a obra selecionada de Freire Ribeiro só veio a público através das mãos do Dr. José Anderson Nascimento, assim como o fez com o livro "Orós", de Clodoaldo Alencar; e o de Ofenísia Freire (Presença feminina em Os Lusíadas), publicações comemorativas aos centenários dos homenageados. Com vistas à publicação de Deus ensanguentado, do poeta Santo Souza; a Revista n. 40 (Freire Ribeiro) e, em breve, o livro de Mário Cabral sobre o folclore de Aracaju, o presidente da ASL conta com a parceria da Associação Sergipana de Imprensa (ASI), por iniciativa do seu presidente, o jornalista Cleiber Vieira.

PEPITA TANGIL (poema do eminente sergipano JOÃO FREIRE RIBEIRO) em interação por TÂNIA MENESES

Observação: Os versos colocados entre aspas são os do poeta João Freire Ribeiro

“Da nobreza espanhola”

Toques de castanhola

“Em Sergipe sem lousa”

Duvidar não se ousa

"era linda, era bela”

Acendia a luz da capela

"Em seus olhos brilhava"

Em sua boca incendiava

“Em noites de encanto”

Entre beijos e pranto

"o luar de Castela!...”

“Pepita Tangil,

Era linda, era bela!...”

“Os olhos do Rei”

(Meus olhos eu dei)

“Nos seus olhos pousaram!...”

Nunca mais descansaram

“Os lábios do Rei”

(Oh, quanto o amei)

“Os seus lábios beijaram,”

De amor se encantaram

“Seus lábios maduros,”

Da paixão tão seguros

“Tão mornos e doces”

Eram como se fossem

“Quais favos de mel!...”

Eram noivos sem anel

“Seus corpos se amaram”

Quão felizes se acharam

“E, num só se somaram...”

A contenda era forte

“Intrigas na Corte,”

“Fuxicos terríveis,”

Fatos tangíveis

“Tormentos incríveis,”

Reinos falíveis

“Vinganças atrozes,”

Potentados ferozes

“Dum tempo Cruel!...”

Sobre a terra corre o fel

“A Rainha, em ciúmes,”

Desfaz-se em azedumes

“Pepita deporta!”

Fecha-lhe da Espanha a porta

“Perdido de amores”

Transido de dores

“O Rei, desgraçado,”

Qual touro acuado

“Pepita recorda”

Quase o pescoço à corda

“Desvairado e febril!...”

Gritava: Pepita Tangil

“Pepita está longe...”

Guarda-a um monge

“Pepita, navega”

Distante da refrega

“Num triste desterro”

Qual fera no cerro

“Buscando Sergipe”

De bravo cacique

“Del Rey, no Brasil!...”

Chegara Pepita Tangil

“Durante a viagem”

Pepita Coragem

“Não chora o seu erro”

Sobre esperado desterro

“Pois sabe que o amor”

Mesmo abraçado à dor

“É luz tão somente”

É estrela luzente

“Na alma da gente!”

Festa somente

“Amor que não fere,”

Ainda que espere

“Amor que não mata,”

É pura bravata

“Amor que não é dor,”

Ah, meu Rei, por favor,

“É só, neste mundo,”

Um poço profundo

“Amor sem amor!”

Aurora sem cor

“Num velho convento”

Vivia sem seu contento

“Pepita Tangil”

Em Sergipe, Brasil

“Na morte repousa,”

O exemplo de quem ousa

“Sem prece e sem lousa! ...”

Infeliz mariposa

"era linda, era bela”

Acendia a luz da capela

"Em seus olhos brilhava"

Em sua boca incendiava

“Em noites de encanto”

Entre beijos e pranto

"o luar de Castela!... "

“Em seu corpo moreno,”

Não havia o veneno

“Tão langue e macio,”

Lleno de gracia, rocío

“A cor dessas tardes”

Que desconhecem os covardes

“Formosas do estio!”

Lleno de gracia, rocío

“Uma flor espanhola”

Bela como las olas

“De negros cabelos,”

Bonito pelo

“Divino perfil!...”

Pepita Tangil

“Desejo em poema,”

Canto este tema

“Mulher? alfazema,”

Findou sua pena

“PEPITA TANGIL!...”

Morta está em Sergipe, Brasil