O HOMEM: UM SER QUE POSSUI E SE COMUNICA PELA PALAVRA

Considerações iniciais:

Segundo o filósofo Heidegger, o homem é um ser que tem o poder da fala. Aristóteles, já no 4º. século a.C., definira o homem como “um animal que possui a palavra”. O evangelista João começa seu Evangelho, dizendo que “no princípio era a palavra”, uma referência ao texto bíblico do Antigo Testamento, que mostra Deus criando o mundo com o poder da palavra: “E Deus disse: faça-se...” Posteriormente o texto bíblico descreve a criação do homem usando matéria, quando Deus comunica ao homem a vida, o espírito e a palavra com um sopro. Isto suscita a imagem da “palavra” como um sopro. A partir desta mitologia bíblica, a origem da “palavra humana” é interpretada como “dom divino”. Muitos ainda hoje continuam com esta mesma interpretação. Inclusive, porque até hoje ainda não se encontrou o gen da linguagem, nem se consegue reduzir a capacidade da fala humana a um simples instinto.

Nesta visão, assim como a palavra divina criou o mundo com seu poder, a palavra humana também é vista como carregada de poder. A partir deste poder, inerente à palavra, tanto teólogos como filósofos, explicam que o homem apenas se caracteriza como ser humano por possuir a “palavra”.

A “palavra”, da qual aqui se fala, não é simplesmente um som, ou um vocábulo dicionarizado, mas um signo. Isto é um termo com significado, simbologia e história, um nome, uma designação. Por isto, alguns filósofos (Derrida) preferem dizer que “no princípio de tudo era o signo”, e não a “palavra”. Interessante é que no texto bíblico do Gênesis se distingue entre a “palavra criadora” de Deus, e a “palavra designadora” do homem, que dá nome a todos os seres.

A palavra do homem não cria a essência dos seres, mas designa os seres, dando-lhes nomes, de acordo com a sua manifestação essencial. Isto nos aponta para a capacidade científica do homem, apto para designar tudo que existe no mundo com sua palavra. O homem está dotado da capacidade de designar adequadamente, com sua palavra, tudo que existe no universo.

A “palavra”, por isto, não está vazia de conteúdo, como queriam os nominalistas medievais. Estes nominalistas diziam que a “palavra” era apenas um “flatum vocis”. O homem inseria nela o conteúdo que quisesse, ou entendia por ela o que sua subjetividade lhe sugeria. Lutero aplicou religiosamente o nominalismo ao texto bíblico. Segundo ele, quando o indivíduo lê a Bíblia, o Espírito Santo faz com que ele entenda o que lhe convém espiritualmente.

Com as palavras, os nomes, o homem forma sentenças. Nestas sentenças as palavras ocupam uma determinada relação com outras palavras, e o seu sentido se amplia, ou se enfraquece, em função do conjunto de relações em que estão inseridas. Com um conjunto de palavras e sentenças, forma-se um sistema lógico de relações (gramaticais), que resulta na linguagem humana, diversificada em inúmeras línguas. Nestas línguas as articulações sonoras são diferentes, mas o sentido e a função da linguagem é o mesmo para todos os homens: a comunicação, o diálogo, o interrelacionamento. Desta forma, toda linguagem tem funções sociais e culturais.

Os homens falam, porque sua linguagem é a objetivação de sua razão, de seu pensamento, de sua profundidade espiritual. Por isto, alguns definem a palavra como o corpo do pensamento. Chega-se, inclusive, a considerar que a palavra, em si, possui corpo, alma e espírito. O Corpo da palavra seria sua forma exterior, o vocábulo; a sua alma, o modo como é expressa: com amor, raiva, com tom mais alto ou mais baixo; seu espírito seria seu conteúdo.

O ser humano se distingue de todos os outros seres pelo uso da palavra. Pode-se aqui fazer a pergunta: Por que o macaco não fala, mesmo que fisiologicamente tenha todo o sistema para isto? A resposta seria: porque não tem nada a dizer. Não tem a dimensão espiritual para objetivar conteúdos.

Pela fala o homem designa oralmente, ou por escrito, os seres reais ou imaginários que se apresentam à sua mente. Como o mundo é composto por muitas categorias de seres, que, por sua vez, se manifestam em múltiplas formas, a linguagem humana também assume muitas categorias e múltiplas formas de comunicação. Dali a consideração de que a linguagem é uma arte. E, tanto para antropólogos, como para filósofos, Arte é tudo aquilo que revela as dimensões interiores ou espirituais do homem. Por isto se fala das múltiplas linguagens e estilos do linguajar, que revelam a interioridade humana. Entre as múltiplas linguagens estão: a linguagem da música, da pintura, a linguagem jurídica, a linguagem médica, a linguagem matemática, a linguagem da arquitetura, do cinema, a linguagem brasileira de sinais (libras), a linguagem literária, a linguagem virtual dos computadores, etc...

A linguagem oral e escrita

A grande pergunta que, desde a Antiguidade, intriga a humanidade é a questão da origem da linguagem. Quando e como o homem começou a falar? A resposta a esta questão se perde nas brumas da mitologia. Como se formaram as palavras: de forma onomatopaica, por imitação dos sons da natureza e dos gritos dos animais? Deve-se a origem da linguagem a um processo evolutivo, segundo a perspectiva darwiniana?

Qual a resposta?

No imaginário religioso judaico/cristão o poder da palavra é um dom divino. Até filósofos recorrem a esta conjectura. O filósofo judeu Wálter Benjamin, tragicamente morto em 1940, usa o mito bíblico da criação do mundo e do homem para explicar a origem e o poder da palavra humana.

Segundo Benjamin, o mito da Torre de Babel ensina que a multiplicidade de línguas é castigo de Deus. No Paraíso havia apenas uma língua. O homem foi expulso do Paraíso, não por causa de uma maçã, mas porque começou a tagarelar sobre o “bem e o mal”, querendo emitir juízos sobre coisas que Deus havia considerado boas. Da “árvore do bem e do mal” o homem não deveria comer, pois o “bem e o mal” não tem nome, nem pode ser definido.

O homem já havia designado adequadamente todas as criaturas do Paraíso, com seus nomes próprios. Quando começa a tagarelar sobre o bem e o mal, a sua linguagem originária, recebida através do sopro divino, se perverte.

Por detrás deste mito, inclusive, está uma discussão sobre a origem do Direito, que se aventura a julgar sobre o bem e o mal, quando, na verdade, os conceitos de “bem” e “mal” são indefiníveis.

Mas, por que o homem não para de perguntar pela origem de sua fala? Certamente porque a busca pela origem da linguagem é, propriamente, a busca pela origem de nós mesmos.

Para Wilhelm von Humboldt, criador da Universidade de Berlim, no séc. XIX, a linguagem coexiste com o homem, pois ela é totalmente humana. Para ele, a linguagem é a expressão da humanidade do homem. Por isto, para que o próprio homem a pudesse criar ele já deveria ser plenamente humano. Em 1866, a “Societé du Langage” de Paris proibiu aos seus filiados confabular sobre a origem da linguagem. Temiam cair em intermináveis confabulações, ou compactuar com explicações teológico-míticas. De fato, não adianta confabular sobre a origem da linguagem, pois ela é um próprio do homem.

Os meios da comunicação humana não são apenas sinais e sons. Mas sinais e sons com sentido. São signos. E os signos da fala são as “palavras”. Palavras com as quais formamos “jogos linguísticos”, no dizer o filósofo Ludwig Wittgenstein. Estes “jogos linguísticos” formam nossos contextos comunicativos. Nestas considerações linguísticas Wittgenstein também diz que “os limites de minha linguagem são também os limites do meu pensamento”. Em outras palavras: quem não aprendeu a usar palavras não sabe pensar.

Cada época, cada cultura tem os seus contextos linguísticos, o seu modo de se expressar, a sua linguagem e a sua língua. Por isto, de acordo com as épocas históricas, e suas culturas, as expressões linguísticas se alteram. Pois a linguagem acompanha as circunstâncias da vida do povo que a usa. É uma espécie de entidade viva.

Nas culturas mais organizadas e variadas, a linguagem é mais rica e mais estruturada, do que a linguagem de povos menos desenvolvidos. Por isto, as línguas dos povos mais desenvolvidos, em contato com grupos humanos menos desenvolvidos, provocam o desaparecimento de línguas menos estruturadas. Isto é uma consequência natural do intercâmbio e do progresso da humanidade. Em nosso tempo, todos os anos desaparecem centenas de línguas, tidas como “primitivas”. Muitas etnias, com isto, se sentem ameaçadas em suas tradições linguísticas e culturais, e procuram resistir.

É pena que línguas desapareçam, mas esta é a realidade histórica. Quando os ingleses e franceses começaram a colonizar a África, no século XIX, impuseram aos povos africanos suas línguas: o inglês e/ou o francês. Diziam que muitos sons das línguas africanas imitavam os sons dos macacos. Por isto, civilizar estes povos também significava exigir deles que aprendessem as línguas dos povos civilizados.

Desde a Antiguidade, milhares de línguas desapareceram. Mesmo assim, algumas delas não devem ser consideradas “línguas totalmente mortas”, pois sobreviveram através dos signos que deixaram registrados por sinais ou palavras escritas. O latim, por exemplo, ainda hoje é usado para expressar a doutrina católica.

Através dos signos deixados, somos capazes de reconstituir aspectos históricos de povos já desaparecidos. O fato de estes povos terem deixado os registros de seus símbolos, e de suas letras, é uma demonstração da importância de se registrar, por escrito, o que se passa em nossa vida e em nosso ambiente vivencial e cultural. Assim, o Escritor deixa um testemunho que ainda, daqui a mil anos, poderá transmitir sentidos, e facilitar hermenêuticas para a interpretação e o conhecimento do homem e do mundo de nosso tempo.

A importância do Escritor

Em povos ágrafos, a linguagem oral era fundamental. Em noites quentes e de luar, ou em noites frias, ao redor do fogo, os mais idosos transmitiam às gerações novas as tradições do povo. Mas, quando este povo era desarticulado e dispersado, as histórias e as tradições se diluíam.

Os mitos, as lendas, as histórias de gerações passadas se perpetuam, com mais segurança, através do registro gráfico: a escrita. Claro, também a escultura, a arquitetura e a pintura dos povos são sinais de sua cultura.

O que hoje sabemos dos antigos egípcios, babilônios, hindus, chineses, gregos e latinos? Apenas o que deixaram registrado por sinais e escritos.

A escrita é a fonte mais significativa que nos liga aos contemporâneos e a muitos povos antigos. Lamentamos que tantos escritos da Antiguidade se tenham extraviado, ou tenham sido consumidos pelas chamas. Por exemplo, os incêndios da Biblioteca de Alexandria.

Por que sabemos tão pouco sobre os povos precolombianos da América? Porque não dominamos o segredo de seus sinais, e eles não nos legaram letras, palavras e literatura. E sem o signo das palavras, que são a expressão do pensamento e da dimensão espiritual do ser humano, não conseguimos reconstituir a interioridade e o pensamento destes povos, nem interpretar o significado de muitas de suas ações.

Daí a importância do Escritor, pois ele liga as gerações atuais às gerações passadas e futuras. Quem escreve, ainda daqui a mil anos poderá ser lido e revelar dimensões vivenciais de nosso tempo..

Mas, é claro, o Escritor de hoje, normalmente, não estará preocupado com quem o lerá daqui a mil anos. Quem escreve, escreve para ser lido hoje. O escritor escreve porque sente que tem algo de significativo a comunicar a seus companheiros históricos, ao homem com quem convive no atual momento histórico.

Inclusive, grande parte da literatura de hoje segue a tendência do tempo. É muito irrequieta e imediatista. Os jornais, por exemplo, são lidos hoje e atirados fora amanhã. Também, para a multiplicidade de livros, as bibliotecas já não preveem mais espaço. Os livros virtuais se conservam por poucos anos.

Se entendemos a função do Escritor como mediador do conhecimento e da interpretação do homem e do mundo, surgem, naturalmente, algumas perguntas, pois estamos conscientes de que os Escritores não são lá tantos. Dali as perguntas: Quem escreve? Para quem se escreve? O que se escreve?

1. Quem escreve?

Sartre, em seu livro “As Palavras” e no ensaio sobre “O que é literatura?” relata que, provavelmente, ele iria morrer assim como nascera: “entre livros”. Para ele, o Escritor não pode deixar passar um dia sem escrever alguma linha (nulla dies sine linea). Todo escritor deve ser um intelectual, e, de certa forma, um filósofo. O escritor não pode se contentar em entender apenas de letras. Precisa conhecer também história, psicologia, sociologia, política, biologia, geografia, e entender de artes. O Escritor não surge num mundo de ignorância. Como se diz, em meio popular, num ambiente de “ciências ocultas, e letras apagadas” não nascem Escritores, nem intelectuais, nem sábios.

Para Sartre, a literatura, desde cedo, foi uma paixão em sua vida. Literatura e filosofia caminhavam lado a lado.

No meu entender, hoje, em nossas academias brasileiras se fragmenta demais o conhecimento. Inclusive, entre filosofia e literatura, criou-se uma espécie de divórcio.

Literatura e filosofia não podem estar separadas, assim como não podem transformar-se em tagarelices. Nem os filósofos, nem os intelectuais podem encastelar-se num mundo à parte.

A obra literária, assim como a filosófica, busca reconstituir o ser humano, descrevendo suas conquistas, e denunciando suas vicissitudes. Muitas obras de literatura são autênticos tratados de filosofia, assim como certos ensaios filosóficos são peças literárias. Por isto, entre os Escritores encontramos filósofos, e entre os filósofos Escritores. Já encontrei, entre médicos, filósofos mais autênticos do que muitos filósofos academicamente legitimados com um diploma.

Para Sartre, todo Escritor é um intelectual, capaz de compreender e interpretar o mundo e os homens, exteriorizando e fazendo entender esta sua compreensão e interpretação através da escrita. O Escritor não guarda seu conhecimento para si. Ele o comunica aos seus semelhantes, com a intenção de remexer ideias, intranquilizar consciências acomodadas, e induzir ações. Desta forma, a literatura não se esgota em uma função de ativação prazerosa de um mundo imaginário. Pois o verdadeiro Escritor, de qualquer categoria e estilo, não se satisfaz com isto, pois busca sempre induzir ações. Seja ele poeta, romancista, novelista, cronista, articulista ou vulgarizador de ciências.

2. Para quem escrever?

Será que o Escritor, conscientemente, deve selecionar seus leitores? Ou ser universalista, sem se posicionar ao lado de classes, ideologias, etnias, regiões e parcelas da humanidade?

Pessoalmente, quando escrevo e publico, nunca me pergunto sobre quem vai ler o que escrevi. Solto o meu “verbo”, por assim dizer, ao vento, e o recolhe quem quiser. Uma vez publicado, deixo de ser dono do meu texto e das ideias nele contidas. Alguns concordarão com o texto, outros o rejeitarão. Eu, simplesmente, exteriorizei o meu interior espiritual e aspectos do meu mundo vivencial.

Sartre, depois de sua fase idealista e sua adesão ao marxismo, considerou que todos os homens, escritores ou não, querendo ou não querendo, optam por um lado. Assim, sempre estaríamos a favor ou contra alguém, alguma ideologia, ou alguma classe. Por isto, o Escritor, querendo ou não querendo, revelaria em suas palavras para quem estaria escrevendo. Não existiriam palavras neutras. Desta forma, numa visão marxista, todo Escritor trairia, em seus escritos, o seu lado: a burguesia ou o proletariado; o fascismo ou a democracia; o capitalismo ou o socialismo; os opressores ou os oprimidos; os exploradores ou os explorados; os vencedores ou os vencidos...

Já Wálter Benjamin, em seu escrito sobre “A linguagem como tal, e a linguagem do homem”, e num texto de conferência de 1934, analisa a questão do Escritor engajado, que opta por uma tendência, diferentemente de Sartre. Para Benjamin, o Escritor que opta escrever no horizonte de uma ideologia (nazismo, marxismo...); de uma classe social (proletariado, burguesia...); de uma etnia (alemães, russos, judeus...) deixa de ser um autêntico escritor, pois se transformaria num panfletário e num tagarela.

Interessante é que existem pessoas, com qualidades para escreverem, que não se atrevem a publicar, pois não se querem expor a possíveis críticas. Tive um colega professor na UFPE, sociólogo, mas também médico, que me disse que não publicava muito, pois as publicações só serviam para a gente ser criticado.

Penso que todo Escritor de alguma forma, imagina quem serão, predominantemente, seus leitores, a partir das intenções, dos conteúdos e dos estilos de seus escritos. Contudo sabe que deixaria de ser verdadeiro Escritor se limitasse seu texto com dizeres restritivos como, por exemplo: “leitura exclusiva para proletários, para burgueses, para fascistas, capitalistas, protestantes, católicos, judeus ou árabes...”

Para que se escreve? Tanto para mediar o conhecimento, a interpretação, a transformação do mundo e a ação do homem, como para alimentar e estimular as propriedades do imaginário da mente humana.

Inclusive, hoje se sabe que mais de 70% das palavras que usamos em nossa linguagem diária não retratam uma realidade objetiva, mas articulam elementos do imaginário. As nossas palavras podem ter sentido unívoco (retratar o que significam); sentido equívoco (retratar sentidos diversos); sentido análogo (retratar sentidos certos, mas ao mesmo tempo também diversos). Exemplo: muitos confundem o “céu” dos aviões, com o “céu” religioso.

É claro, o Escritor, com raras exceções (o “Solilóquio”, um diálogo de Agostinho com sua alma; o livro “Sobre a Consolação da Filosofia” de Boécio, onde Boécio busca a consolação de si mesmo), escreve para si mesmo. O Escritor, quando escreve, procura estabelecer um diálogo com seus possíveis leitores. Portanto, deve procurar escrever de tal forma, que os leitores entendam o que pretende transmitir. Dali a exigência de competência linguística e literária do Escritor. Por isto, os Escritores se consagram através dos conteúdos e das competências linguísticas de seus escritos.

3. O quê escrever?

Aqui ainda se poderia perguntar: como escrever? Trata-se, portanto, nesta questão, dos conteúdos, das formas e dos estilos em que se escreve. Conteúdo, forma e estilo são inseparáveis em obras literárias, mas estes três aspectos são características da personalidade de cada autor, e da área de seus conhecimentos. Pois podemos encontrar escritores entre os médicos, os engenheiros, os juristas, os filósofos, os historiadores, os psicólogos, etc. Os conteúdos dos escritores são influenciados por estas profissões. Na Academia Pernambucana de Letras encontramos escritores provenientes das mais diversas profissões.

Cada Escritor sabe se escreve poesias, romances, novelas, crônicas, contos... Cada qual expressa-se num determinado estilo, e imprime em seus escritos determinados conteúdos. Talvez o próprio escritor, nem sempre, esteja plenamente consciente do valor e da importância de seus escritos, e somente chegue a isto através dos comentários de seus leitores, e das críticas de seus intérpretes.

Um intelectual e escritor de Porto Alegre (Dr. Rui Cirne Lima) certa vez me disse que ele só comprava livros de autores que já estavam no mercado há mais de 20 anos. Era o critério dele de avaliar o valor de algum livro, e se valia a pena lê-lo. Interessante, mas, penso, que nem sempre este pode ser o único critério.

Se a função do Escritor é mediar o conhecimento e a interpretação do homem e do mundo, todos os possíveis conhecimentos e acontecimentos podem se tornar assuntos de registro em palavras literárias.

Conclusão

O Escritor usa as “palavras” como algo vivo, em articulação dialógica entre ele e o leitor. E estas “palavras” sempre se dão em contextos históricos e ideológicos precisos. Elas não permanecem neutras, mas andam carregadas de conteúdos vivenciais. São palavras verdadeiras ou mentirosas, boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, conformistas ou questionadoras. Isto depende das intenções do Escritor. Nas “palavras” está projetado o Escritor.

As palavras, também quando escritas, não se fossilizam, mas permanecem polemizadoras. Elas se dirigem a outrem, e têm um interlocutor. No caso da literatura, os leitores. A palavra escrita, por assim dizer, tem duas faces: ela sempre procede de alguém e se dirige a alguém, ela é o produto da interação do Escritor e do leitor. Desta forma, ela tem consequências.

Claro, como Escritores, sem grande celebridade , podemos nos lamentar de que os nossos escritos têm pouca repercussão, e poucas consequências na mudança do mundo. Frente a isto, um filósofo atual, Peter Singer, disse: de fato, com nossa filosofia e nossos escritos conseguimos muito pouco. Mas, podemos nos sentir satisfeitos se ao menos dermos um chute na “bola” (do nosso mundo), e ela não permanecer no mesmo lugar.

Inácio Strieder é professor de filosofia.Recife - PE.