DESENHO TRISTES PALAVRAS

É preciso ter imaginação requintada para desenhar tristes palavras e mostrar que a vida imita a arte, como em Carlos Higgie, “Relato amarelo de uma jovem que envelheceu pensando que um dia, quando a coragem inflasse seu ser, saltaria da janela para o fundo do poço e veria o outro lado, o verdadeiro rosto do mundo.” Ele desnuda a cena de amor com palavras agonizantes, inquietas, que, por vezes, não conseguimos dizer. Revela a vida em cenas que formam o jogo de metáforas com as sentenças, ao anunciar o outro lado da história, entrelaçando e rasgando o silêncio na tristeza. Nas palavras de Carlos Pessoa Rosa, “... sem o vento / o silêncio devolve ao poeta o deserto / das ruas...”

A palavra triste pode conter diferentes significados, com interferência nos mistérios dos sentidos que prendem os elos da vida e espalham agonia ao descrever a fantasia em realidade . Apenas o escritor é capaz de desenhar tristes palavras, como oferta mágica ao lançar olhares sobre o coração que caiu na rotina da emoção e se esvaiu ao vento, como Pablo Neruda, no livro Posso escrever os versos mais tristes... Gilberto Cunha revela “Acima de tudo, aceitar que não é a razão que nos leva à ação, mas a emoção. A emoção fundamental que define o ser humano é o amor".

O curioso é que pode ser a lembrança, o cheiro, o local; qualquer sentimento pode despertar o escritor e torná-lo especial no entretenimento, mesmo desenhando tristes palavras, assim, em Carlos Higgie, para quem “O tempo é longo e destrói os caminhos, explode pontes, lacra as portas: não há retorno. Sobra um manto de silêncio e desesperança.”

O autor constrói a sua imagem e a demonstra no texto que pontua sua obra. Igualado à tela do pintor, onde várias mãos de tintas, em pequenos gestos, mudam a história. O atrito na vida, os encontros e os desencontros amorosos, no compreender-se e compreender o mundo, são motores que levam o poeta a desenhar palavras tristes; ele se reescreve e impressiona em seu significante; jogo semântico que com plasticidade cria a pluralidade dos sentimentos, tal nas palavras de Augusto dos Anjos, “O homem por sobre quem caiu a praga / Da tristeza do Mundo, o homem que é triste / Para todos os séculos existe / E nunca mais o seu pesar se apaga!”

Desenhar palavras tristes significa conquistar a palavra em si, registrar o fatos decorrentes dos atos, e usar da linguagem singular e própria no panorama dos sentidos, como em Sonia Regina, “... escreves em minha pele, já vento, / sopram os teus dedos no meu corpo, / em meus lábios desenhas o sentido...”