MISSIVA A DIÓGENES II
Nota - Acerca da conceitação de Frassino: “Sobre a estética/estática do Soneto”?
Diógenes de Araújo:
Tese: “A prática da escansão torna a Poesia mais dinâmica, e, ainda mais, se lida em voz alta.”
Frassino Machado:
Obrigado. Subscrevo. Mas olhe que a poesia - a verdadeira POESIA - não pode ficar só pelo “dinamismo”. Ela tem que ser globalmente bela em todas as suas vertentes. Assumirá desta FORMA a sua genuína vocação: ser a "ponte" entre os homens e o DIVINO!
Caro Diogenes, não é por acaso que os Sábios e toda a Tradição Artística consagraram a convicção de que o PARNASO é a morada dos POETAS... Prosit!
E, a propósito de ESCANSÃO quero aqui deixar, se me permite, a minha opinião. Creio que é uma prática pedagógica sui generis, que o meu amigo tem vindo a utilizar com bons resultados e com reconhecida utilidade, diga-se. Todavia (espero que me perdoe este “libelo” muito próprio e sincero) parece-me ser, em termos poéticos demasiado escolástica e proselitista. Estou fazendo esta crítica com frontalidade e com a maior honestidade, entende?
Eu considero que um poeta – se o é convictamente – não pode estar preso dessas formalidades, pelo menos no que concerne à Poética dos tempos que correm. A Arte Poética, como todas as manifestações ou fenómenos literários, navega porventura, quer queiramos quer não, nas marés ou tendências das preocupações humanistas da ARTE GLOBAL. Ou não vivêssemos nós na Era da GLOBALIZAÇÃO.
Se o fenómeno mais abrangente da ARTE são as emoções e as circunstâncias modais, então há que dar lugar à liberdade intuitiva e imaginativa do Poeta. Daí nascerá com certeza a sua inspiração e criatividade. E não há que negar esta realidade, não lhe parece?
A propósito estou-me lembrando dos movimentos modernistas e neo-modernistas (pos-modernos e outros mais recentes) que me têm preocupado e consequentemente apaixonado pela Arte Poética.
Não querendo alargar-me demasiado nesta questão, apenas recordo um dos poetas neo-modernistas do meu país que provavelmente não é dos mais lidos: António Ramos Rosa. Como poeta a sua base de acção terá tido génese nos conhecimentos bebidos em águas Barthesianas.
Toda a sua poesia desenvolve-se dentro das condicionantes que qualquer poeta conscientemente dispõe no texto que compõe. Uma palavra, um vocábulo, como suporte de uma espécie de “gruta” transparente, pode evoluir por si mesma numa frase que lhe fixa o tema desde o primeiro verso, ou dito de outra maneira, poderá resultar numa combinação de climas ou matizes os mais diversificados, dando ao corpo poético uma uniformidade focal que se alimenta de si mesma e originando uma harmonização estética atraente. Não haverá, por isso, necessidade de recorrer sistematicamente a formalidades de ordem escansionista.
O prazer do texto poético, que é para Ramos Rosa "um ofício", apresenta-se ora como um sonho, ora como um dever. Há nesta forma de «actuação literária como que um espelho imagético projectado num futuro próximo cuja moldura é a consciência, cambiando a sua envolvência à medida que o poema escorre sobre si mesmo». E escorre sobre si mesmo porque se auto-sobrepõe, valendo-se das suas pausas, dos seus intervalos, das suas existências isoladas, para que as palavras, enquanto produto final, se "tornem elegantes" nos seus significados e adaptações profundas e integradas, e tornem harmonioso o sentido, leve ou pesado, activo ou passivo, que qualquer poema tenciona traduzir.
Podemos, neste contexto, recordar nomeadamente o famoso corolário do sábio francês de “o saber com sabor” que o nosso poeta, como muitos outros, bem assimilou.
Para terminar esta minha reflexão quero aqui deixar um significativo texto de Ramos Rosa:
A FESTA DO SILÊNCIO
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.
António Ramos Rosa,
em "Volante Verde"
Frassino Machado
In CAMINHOS DO MEU PENSAR