HISTÓRIA DE NICOLAU I - Rei do Paraguai e Imperador dos Mamelucos –
E o Paraguai alguma vez teve rei? Com a independência das colônias americanas, apenas o Brasil optou por um Imperador. O México teve um Imperador de julho de 1822-março de 1823; posteriormente foi imposto ao México, pela França, o ingênuo Imperador Maximiliano, que imperou de 1864-1867, quando foi executado pela resistência mexicana. Como, então, se fala de um Rei do Paraguai?
O livro que conta a história de Nicolau I foi publicado anonimamente, em francês, provavelmente na Holanda, em 1756. O livro foi escrito num estilo tão vivo e realista que muitos europeus acreditaram que Nicolau I, realmente, era Rei do Paraguai, e fora proclamado Imperador dos Mamelucos, instalando-se em São Paulo. Até Voltaire se manifestou duas vezes sobre o Rei Nicolau, mas, já em sua segunda carta, está convencido de que a história era fictícia. Também L.A. Muratori faz menção ao Rei Nicolau em uma das edições de seu livro sobre “O Cristianismo Feliz”, publicado na Itália em 1754.
No séc. XVIII, pelos relatos sobre as missões jesuíticas entre os índios Guaranis na Província do Paraguai, e especialmente com o Tratado de Madrid em 1752, que resultou na guerra guaranítica, e, depois, na expulsão dos missionários jesuítas, o Paraguai se tornou um referencial obrigatório entre os intelectuais europeus. Espalharam-se, então, escritos sobre estes acontecimentos por toda a Europa. Como nas colônias espanholas e portuguesas era proibido publicar livros, e os livros, publicados em Portugal e Espanha, deviam passar pelas diversas censuras do Paço e da Igreja, muitas destas obras foram publicadas na Holanda, onde havia liberdade. Muitos destes livros eram anônimos, e o lugar de sua publicação fictício. Assim, a história do Rei Nicolau foi escrita em francês, com indicação de sua publicação em “Saint Paul”.
O Autor do livro “Histoire de Nicolas I Roy du Paraguai et Empereur des Mamelus (1756)”, projeta sobre o Rei Nicolau I as mazelas dos políticos da época, relacionando com ele muitos dos problemas do séc. XVIII. No início do livro, o Autor adverte de que tudo que vai narrar é verdadeiro. O livro se tornou best seller na Europa, tendo muitos acreditado na veracidade da narração, embora fosse uma fábula.
Segundo a narração, Nicolau I nasceu em Taratos, uma aldeia da Andaluzia, em 1710. Recebeu o nome de Nicolau Roubiouni. Seu pai era um velho militar, que falava muito sobre as campanhas em que participara, e pouco se importava com a educação de seu filho. Desde cedo, o menino manifestava as mais perversas e corrompidas inclinações. Aos dezoito anos, por causa da tentativa de um assassinato, foi obrigado a fugir de sua terra natal. Nesta fuga, levou da casa paterna duas armas e uma preciosa bolsa, que pertencia à sua mãe.
Roubiouni refugiou-se em Sevilha, onde vendeu as armas e a bolsa. Em pouco tempo viu-se sem recursos. Frequentava os Jogos Públicos e as Igrejas. Nos Jogos conseguiu alguns recursos, e nas igrejas mostrava-se hipocritamente religioso. Assim conseguiu sobreviver durante quatro anos. Com sua religiosidade hipócrita impressionou uma devota senhora, que se afeiçoou a ele e o sustentava. Entretanto Roubiouni assumira o nome de Medelino. Esta devota senhora o recomendou a uma viúva rica e caridosa, que o abrigou até 1733. Mas, então, sua farsa foi descoberta e ele teve que fugir de Sevilha.
Esperou ser alistado no exército, o que não deu certo. Entretanto encontrou emprego como condutor de mulas, que transportavam mercadorias. Era bom conversador para enganar comerciantes. Em uma discussão com colega, cometeu um assassinato, mas continuou a conduzir mulas. Após outras falcatruas, inclusive aconselhando as pessoas a não mais pagarem os impostos ao rei, foi dispensado de seu emprego. Mudou-se então para Málaga, misturando-se ali aos estrangeiros, usando um nome falso. Desta forma, viveu em Málaga durante 10 anos. Em 1743, cheio de malandragens, resolveu mudar de vida, e começou a frequentar igrejas. Mas em Málaga era demasiadamente conhecido para alguém acreditar nele. Por isto, resolveu mudar-se para Saragossa, onde os jesuítas tinham uma bela casa. Apresentou-se aos jesuítas para entrar na Ordem. Enviaram-no ao Noviciado, e foi aceito como irmão.
Uma vez jesuíta, foi destinado a um grande Colégio, e encarregado de fazer as compras de mantimentos. Com esta função, tinha acesso a bastante dinheiro para viajar pelas aldeias e comprar o que os residentes do colégio necessitavam para sua alimentação. Inclusive, por causa das viagens , necessitava, às vezes, permanecer fora de casa por alguns dias. Em uma aldeia, mais ou menos distante, desconhecido, encantou-se com uma jovem, com a qual casou. Depois de casado, à vista de todos, permanecia algumas noites na casa da esposa, antes de voltar para sua comunidade jesuítica. Vivia, assim, uma vida dupla. Mas, depois de algum tempo, os padres começaram a desconfiar das ausências do irmão, e o transferiram a outro colégio distante. Assim não mais podia visitar sua “esposa”. Nesta nova comunidade provocou algumas confusões.
Entretanto, a sogra, como durante meses Roubiouni não aparecera mais, começou a procurá-lo, e espalhou, por toda região, a descrição do desaparecido genro. Roubiouni, então, apavorado e com medo de ser encontrado, se juntou a um grupo de missionários a caminho de Buenos Aires. Uma vez chegado a esta cidade, ele ouviu os rumores de um certo Tratado entre Madrid e Lisboa, pelo qual o Rei Católico havia negociado a troca de terras dos índios com Portugal. E os índios estavam-se revoltando contra este Tratado. Roubiouni se juntou aos índios, incentivando-os a resistirem. Conseguiu a confiança dos índios da “Ilha de São Miguel”. Em pouco tempo os índios o proclamaram seu Rei, com o nome de NICOLAU I, Rei do Paraguai. Nicolau arregimentou os índios revoltados e furiosos. Expulsou os jesuítas de São Miguel, e começou a matar, sequestrar, roubar e assassinar quem não se juntasse aos seus bandos.
Com o extraordinário sucesso de Nicolau, os índios confiaram que, finalmente, se conseguiriam libertar da dominação dos europeus. Nicolau mandou cunhar alguns medalhões. Um destes medalhões representava uma batalha sangrenta, com a inscrição “A vingança pertence a Deus, e àqueles que Ele envia”.
Com muito zelo, que somente os ideais religiosos conseguem sustentar, propôs-se a conquistar para Jesus Cristo o Uruguai, onde já não havia mais nenhum adorador do verdadeiro Deus. Resolveu conquistar as missões dos jesuítas, onde havia suprimentos. Conseguiu reunir um exército de 5.000 soldados. Muitos vinham se alistar neste vitorioso exército, sob o comando de Nicolau. Mas este exército agia com incrível crueldade. Como o reino exigia cada vez mais dedicação, Nicolau entregou o comando de suas tropas a um espanhol, chamado Mário, que conseguiu disciplinar cada vez mais estas tropas bárbaras. Assim a fama do Rei Nicolau se espalhava cada vez mais, e seu reino crescia incrivelmente. Até os mamelucos de São Paulo se entusiasmaram com os sucessos de Nicolau. Resolveram visitá-lo e convidá-lo para ser seu Imperador.
O Rei Nicolau se desloca então para São Paulo, que, segundo o Autor da História deste Rei, era habitado pelo rebotalho da humanidade. Segundo o Autor, a vila de São Paulo começou como começou Roma, com o sequestro de mulheres indígenas, com escravidão e assassinato dos índios. Europeus criminosos de todos os tipos moravam em São Paulo. Estes bandidos forçaram as índias a terem filhos com eles. Assim começou São Paulo. Os mamelucos, que convidaram Nicolau para ser seu Imperador, são os descendentes destes bandidos e destas índias bárbaras sequestradas.
Depois de pouco tempo em São Paulo, o Rei Nicolau mandou preparar uma grande festa, para se deixar coroar Imperador dos Mamelucos na catedral de São Paulo. Como Imperador, praticava as mesmas crueldades dos seus súditos.
Quando o Autor termina seu livro, o Rei Nicolau I, Rei do Paraguai e Imperador dos Mamelucos, ainda governava. Espera novas notícias para continuar a história deste Rei, ainda não finalizada. Mas, como já avisara no início do livro, o seu objetivo, ao escreevê-lo, também era: mostrar à humanidade que os grandes criminosos são, até os nossos dias, homens geniais, e que muitos dos que foram executados poderiam ser colocados no Templo da Imortalidade, ao lado dos heróis amigos da humanidade e da Pátria, caso a virtude tivesse tido o mesmo poder em seus corações como o crime. Ainda diz o Autor: quantos audaciosos, cujos nomes hoje fazem tremer o bom cidadão, seriam modelos de coragem e fidelidade se, inspirados pelo patriotismo, não tivessem ultrapassado os limites do rigoroso dever.
O livro ainda ensina que criminosos, que deveriam estar na cadeira, ainda hoje, se travestem, muitas vezes, em religiosos e políticos. Têm sucesso na vida, reúnem fiéis discípulos, mas não passam de salafrários.
Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife-PE.