PRIMAS VERDADES E O ÁGIL PÁSSARO

Vais constatar que o poeta é apenas um "condenado ao pensar", e nesta condenação ao viver, vai fazendo os seus relatos como mais um grão de areia no universo: ri, chora, sente fome de comida e de amigos. E move-se ao embalo das tempestades e mares revoltos até se tornar pó, pois este é de sua essência, tal como aparece no livro sagrado. E, se tiver sorte, em vinte anos após a morte, será apenas um nome no esquecimento. O pobre do poeta nada tem de "magnitude", e, sim, é um observador de esguelha, de soslaio, aquele que vislumbra protegido pelo ângulo reto das esquinas – à sombra. Porque nele resta vivo o temor de ser visto como antagonista (ou inimigo) e se tornar vitrina para a mediocridade, que sempre lhe jogará pedras. Enfim, o destino da vitrina é o de ser, dia menos dia, estilhaçada... Procura ler o “Homem Medíocre”, de autoria do filósofo argentino José Ingenieros, que viveu no início do séc. XX, e chegarás próximo do que desejo dizer. Pode até que alguns cheguem a ser "memoráveis", mas é somente o pós-morte que dirá quais os que fizeram da farsa e da fantasia literária berço para a imortalidade, e isto enquanto o idioma em que for escrita a obra perviver no universo dos diálogos e na cabeça dos eventuais leitores. Olha para o lado e verás que aqueles que muito desejam o ápice, morrem sem a consecução do objetivo – fazer-se estrela-guia. Porque o estrelejar é do reino dos céus e nós somos vermes da terra a nos retorcer: larvas da primavera, ou, etimologicamente, as “primeiras verdades”. Nunca num singelo referir às estações, mesmo que dentre estas, a primavera libere o pólen vivificador através do milagre dos malmequeres até as portentosas árvores da floresta tais os jacarandás e as sequoias. A terra fértil vai cumprir a sua destinação: abrir a flor aos beija-flores. Como bem podes observar, somos mais jardineiros do que "estrelas"... Constatarás, por fim, que é a simplicidade o que nos faz grandes, enquanto criaturas do Absoluto. O poeta é o ágil pássaro que leva a semente ao ninho das germinações. E nada mais.

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4972547