Pintores são objetos de vernissages ou exposições; músicos fazem concertos, recitais, cantatas, shows; cineastas fazem pré-estreias, festivais; já os escritores participam de Feiras Literárias.
 
Tratando-se de um evento ligado à criação, o vocábulo “feira” vem carregado de um peso pejorativo que define a atividade mais vulgar do mercantilismo. Esse sutil aspecto nos revela que a literatura é a arte mais seviciada pela banalidade do consumo que impera no século 21.
 
A maioria dos ditos novos autores não mais escrevem almejando um sentimento estético que possa refletir o seu tempo e o seu ambiente. Não, os escritores neófitos agora caçam temas que possam inseri-los com êxito no comércio dos livros. De preferência, assuntos que atendam aos modismos ou aos nichos considerados prósperos pelo mercado. Vivemos um momento em que autores se prostituem na intenção de conquistarem o sucesso imediato. Não há dúvida que os best-sellers são a grande inspiração dos amadores.
 
Num cenário onde o valor da arte, antes imensurável, agora é medido por diversas estatísticas, o marketing se instala e traz a reboque vários itens indispensáveis aos camelôs literários. A imagem do escritor precisou ganhar ares de uma figura bem sucedida, com currículo admirável, dotado de referências numéricas que atestem o seu prestígio e justifiquem a compra do livro pelo leitor. O tapete vermelho da publicidade sempre se veste com o exagero, mas qualquer mentira se legitima por uma boa causa. É a falta de modéstia como virtude.  
 
No crepitar das vaidades da nova literatura, o anônimo escritor também disputa espaço com as celebridades que decidiram se aventurar pela escrita. São atores, músicos decadentes, atletas, empresários e até bandidos intelectualizados. Levando-se em conta que escrever, para muitos, se resume à arte de se sentar numa cadeira, a fama se mostra como a maior credencial disponível para lançar um livro que seja bem recebido. E há sempre um séquito de bajuladores para abraçá-los.
 
A princípio, a literatura realmente não parece exigir nenhuma qualificação técnica, como a música pede a um instrumentista, a um cantor de ópera ou para um compositor. No teatro, só é ator quem faz algum tipo de curso que ofereça o registro profissional, foi a regra elaborada para barrar a horda de modelos e aventureiros que anseiam aparecer na TV. Na pintura se faz necessário dominar a orquestração das cores e os traços de um desenho, obstáculos para os leigos. Na literatura, infelizmente, qualquer um pode sentar e escrever. E é na falta de compromisso com a qualificação, com a técnica, com a leitura e com o domínio da língua que nós observamos o opressor avanço da literatice sobre a literatura.
 
No incomensurável camelódromo das letras, a arte é hostilizada diante da imposição do entretenimento, um território onde qualquer bizarrice pode ser perdoada em nome dos resultados comerciais.
 
O que mais vemos hoje? Novos autores anunciando números, rankings, tabelas, resenhas e cifras. A obra é coadjuvante, o comércio é o protagonista. A explicação para tudo isso é óbvia, camelôs precisam passar suas bugigangas.
 
Apavora-nos saber que os autores que dobram seus joelhos ao mercado são os mesmos que ministram cursos de redação, editoração e escrita criativa. Que trágica ironia, aquele que se assumiu cafetão da própria criatividade para embarcar no trem das cores é também o que irá catequizar novos zumbis.


 
Como se não bastassem tantas nuvens negras numa paisagem desolada, as editoras estão tomando a aparência de cartórios. No passado, um autor encaminhava entusiasmado o original do seu livro para avaliação e aguardava a resposta. Atualmente, exigem que ele preencha um “book proposal” para que o editor julgue se vale a pena ler o original, mas não garantem retorno. É possível que num futuro próximo solicitem firma reconhecida, cópias autenticadas e biometria. Compartilhem a revolta, pois é uma afronta que usem um procedimento com nome estrangeiro para que um autor nacional submeta sua obra a julgamento. Os colonizadores são implacáveis.

Qual a saída para este beco cultural que quer infligir rédeas à criatividade? Falam da autopublicação, um remédio que pode custar milhares de reais aos escritores desavisados, um campo que está dominado pela ganância dos exploradores de sonhos. Contam-nos sobre pequenas editoras, mas ainda são poucas as que possuem qualidade e elas se mostram limitadas nos gêneros que acolhem. Por enquanto, a melhor saída é a Internet, é o trabalho de formiga dos que escrevem nos grupos e sites que permitem a divulgação da literatura, é ganhar visibilidade pelo talento, pelo mérito do reconhecimento, abrindo mão de buscar uma fama instantânea sem a base de uma relação inovadora e íntima com as palavras. O verdadeiro artista é um abnegado que cultiva na arte um ato de fé. Uma escrita pueril, subordinada às fórmulas pré-estabelecidas, não contém a fé que constrói as grandes obras.    
 
O que nos resta para também lutar contra a desproporção abissal no modo como as livrarias promovem o livro descartável e o produto importado? Resta o grito. Um grito milenar que soa mais forte quando é repetido. Um grito que se une a outros gritos. O grito dos que não curvaram o espírito. Grito de repulsa. Grito de quem não será colonizado. Grito de independência. Grito que, invariavelmente, traz a mudança.
 
Na rendição do escritor às frivolidades do Mercado Editorial é que se dá o encontro entre Fausto e Mefistófeles, é quando a literatura perde a alma.