Retratando-me como escritor iniciante, busquei aproximação mais apurada sobre as práticas do mercado editorial no Brasil. Os primeiros contatos com as maiores corporações me revelaram um executivo de perfil arrogante e pouco acessível, é o desenho predominante do personagem que compõe o editor nacional. Soa anacrônico imaginarmos um profissional, que deveria preservar a mente aberta para identificar e promover talentos promissores, aprisionado num casulo de pedantismo que incuba um vulgar caçador de níqueis. Travar um breve diálogo com alguns desses editores significa ser apresentado a uma ironia gástrica que corrói qualquer conexão que poderia ser criada. Editores são ilhas de desprezo.
 
A produção de livros sofreu fortes acomodações tectônicas nos últimos dez anos, empresas como a Cia das Letras, Objetiva e Nova Fronteira ganharam sócios internacionais com forte participação acionária. Será que isso explicaria a atual supremacia dos títulos estrangeiros em nossas maiores livrarias?
 
De acordo com as declarações de um profissional que pertenceu aos quadros do grupo Saraiva, o brasileiro reclama de tudo e muitos dos nossos escritores estão fora das livrarias porque não vendem, se vendessem estariam lá. Ou seja, o editor se coloca acima da sua nacionalidade e resume o autor brasileiro como um chorão. Ele diz mais, afirma que no mercado globalizado o leitor não está interessado na pátria do escritor e é por isso que escolhe e tem o direito de ler Game of Thrones.
 
É indisfarçável o nosso choque ao constatar uma nova ordem disposta a colonizar a literatura em nome do lucro. Os executivos dos grandes grupos editoriais determinam o direito do que se deve ler, mas não contemplam aumentar as opções do que se pode ler. Qualificam o autor brasileiro como um rebelde fracassado, mas esquecem que os balcões de destaque das livrarias são vitrines de aluguel que expõem somente o que rotulam de comercial.
 
Prosseguindo a conversa, perguntei como eu deveria proceder para tentar publicar um livro de contos, a resposta foi seca: contos só publicam se for amigo do rei ou por tráfico de influência, livros de contos não vendem.  Na verdade, os autores que vendem parecem ser somente aqueles que sentam na cadeira do Jô Soares, encaminhados por grandes agências literárias, que sempre me passaram a impressão de serem as únicas capazes de disfarçar chumbo em ouro.
 
 
Interessante que uma das nossas mais parrudas agências do meio carregue um pomposo nome em inglês, a Villas-Boas & Moss – Literary Agency and Consultancy. No site da VBM, um recado: “prioridade para manuscritos com referência ou recomendação”. O pistolão chegou à província dos livros.
 
- Literatura de qualidade é um nicho menor, é para a elite e a elite sempre foi minoria – revela o meu interlocutor do mercado editorial.
 
A fala nos faz concluir que ao leitor comum oferecem o farelo dos porcos. Não resta a menor dúvida, vivemos um tempo em que a educação avança, mas a filosofia medieval dos editores continua subestimando e evitando formar melhores leitores. Querem o sucesso imediato, o best-seller, e o sucesso instantâneo prescinde a qualidade.
 
Pergunto ao meu entrevistado se não é ruim para todos que a literatura se torne um território de mercenários. Antecipando o fim da conversa, o pavão abre a cauda e me dispensa com uma saudação exemplar.
 
- Caro amigo, essa sua aflição é de muitos, o que eu digo para as pessoas é, escreva por prazer, pra si mesmo... Agora, me desculpe, estou meio ocupado... escrevendo.
 
No dia em que os bons autores escreverem para as gavetas, talvez as editoras percebam que exilaram os seus mais valiosos operários.
 
Neste cenário apocalíptico, onde editores pensam como corretores imobiliários, a melhor esperança são as chamadas editoras de fundo de quintal, que seguem em investidas heroicas, se destacando nos relevantes prêmios literários mundo afora, provando que há um anseio em restaurar a literatura como obra de arte.
 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 22/06/2014
Reeditado em 23/06/2014
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