A única força criadora e redentora é a dor” (Orris Soares)
 
A marca mítica de um artista nasce das forças que possuem a mesma grandeza da sua obra. Inseparáveis do talento são a coragem, a angústia e a abnegação. Algumas vezes, a esses 3 elementos soma-se a penúria financeira, infelizmente, uma particularidade que também afetou nosso poeta. Nascido há 130 anos no remoto munícipio de Sopé, na Paraíba, Augusto dos Anjos não se furtou à aventura de deixar sua terra e entrar num navio para desembarcar no Rio de Janeiro em 1910. Trazia a esposa grávida e o seu livro recém escrito debaixo do braço. No coração, pulsava o sonho de publicá-lo. Ele publicou, mesmo recusado pelas editoras, bancou seu projeto assumindo os riscos.


Poeta da morte, vate da desolação, Augusto dos Anjos fazia da palavra um bisturi que dissecava as entranhas da alma, expondo as tripas ocultas dos remotos calabouços que desnudavam a nossa face mais sombria. Como explicar a perenidade de uma poesia de estrutura rebuscada, dotada de um vocabulário mórbido, que beira às margens do ininteligível? Versos macabros que atravessaram um século inteiro propagando o eco do seu autor. Talvez, a resposta seja a harmonia sonora que esses vocábulos emitem em cada estrofe construída, a música é uma linguagem universal. Talvez, o segredo esteja na compreensão que o maior legado da humanidade não é o amor, mas o desamparo e o infortúnio da solidão. Quantos românticos feneceram sem decifrar a permanência atemporal deste poeta do hediondo? Quantos tentaram definir sua obra sem conseguir encaixá-lo em nenhum estilo específico? Pré-Modernista? Simbolista? Augusto dos Anjos estava além do Modernismo, quem sabe esteja até além de nós.

Os norte-americanos tiveram O Corvo, de Poe. Aqui, tivemos os Versos Íntimos de um nordestino que foi arauto das nossas dores mais viscerais. Morreu em 1914, aos 30 anos, coroado gênio com um único livro. A terceira edição do “Eu” (em 1928) teve o perfil de vendas de um Best-Seller, o que causou surpresa aos críticos da época. Não havia explicação racional para o sucesso, havia apenas um sucesso inexplicável. Depois disso, jamais parou de ser publicado, prolongando-se em sucessivas reedições que ainda fisgam leitores fascinados e curiosos. Preso pela métrica alexandrina de uma poesia dominada pelos parnasianos, Augusto dos Anjos libertou-se pelas ideias, revolucionou pelo conteúdo.

 
“É com essa asa que faço este soneto
E a indústria humana faz o pano preto
Que as famílias de luto martiriza...
É ainda com essa asa extraordinária
Que a morte – costureira funerária –
Cose para o homem a última camisa! ”  (Asas de Corvo – A. dos Anjos)

 
Com essas asas de corvo, o poeta voou sobre as amarras estilísticas do seu tempo, rompeu a “língua paralítica” e traduziu em versos aquilo que desejava expressar.


Não testemunhamos grandes celebrações em torno dos 130 anos do aparecimento de Augusto dos Anjos, tive conhecimento apenas de um evento promovido pelo Pen Clube do Rio de Janeiro, onde me fiz presente. Na verdade, não me recordo de muitas reverências nem quando do marco dos 100 anos do nascimento do escritor. Há registros, em jornais da década de 50, revelando o desleixo e abandono em que se encontrava o seu humilde túmulo. Nada disso espantaria o nosso célebre poeta do apocalipse, nada que ele não houvesse profetizado suas breves linhas de abandono.


“Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja,
Se alguém causa inda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija! ” (Versos íntimos – A. dos Anjos)
 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 17/06/2014
Reeditado em 17/06/2014
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