A Lotérica Felicidade da Mulher
LUCIANA CARRERO
O resenhista de livros do jornal New York Times escreveu, sobre o livro de contos “Fugitiva”, da Escritora Canadense Alice Munro, algo bastante perspicaz e de uma rara visão sobre a ideia central da obra. Sintetizou e deu a entender que o universo das personagens femininas do contexto gravita em torno das mentiras que as mulheres contam a si mesmas e das mentiras que contam aos outros. As histórias, abordadas em vários contos de aproximadamente cinquenta páginas cada um, parecem interligar-se, realmente, nesta definição. Acontecem numa zona rural do Canadá. E mostram que há muita identificação entre todas as personagens do livro, num mesmo nível de pensamento existencial. Dá para perceber, entretanto, que a abordagem regional do comportamento da mulher, nas narrativas, não se identifica com o “feminino mundial”. Por isso não se universaliza, em muitos pontos.
A escritora é pouco conhecida no Brasil. Quando anunciada a sua conquista do Prêmio Nobel de Literatura, ao final de 2013, não havia nas livrarias de Porto Alegre um exemplar que fosse de nenhuma de suas obras. E demoraram mais de dois meses para começarem a aparecer. No mesmo dia em que foi anunciado o prêmio, fui encontrar um exemplar somente em um sebo aqui da Capital. Li de um fôlego só, a raridade.
Ao concluir que os conceitos não se universalizam, quero dizer que retrata, apesar de ser supostamente uma obra de ficção, uma localização do tema e dos conceitos em um caráter de abordagem de conotação quase histórica, que não se coaduna com a realidade, por exemplo, da mulher brasileira, ou ainda de outras regiões do mundo. Mas tem o valor de instigar a pensar. As personagens todas fazendo parte de um mesmo novelo, na narrativa deu-me a impressão de que eram uma mesma mulher em diferentes situações, embora numa mesma conjuntura social e humana. Cheguei a imaginar, dada à familiaridade de pensamento delas, e até tecnicamente, dos seus diálogos, tratar-se de um livro que buscou o enredo no próprio caráter auto-biográfico de Alice.
Não considerei, no entanto, tão importante para meu entendimento e, possivelmente, para os leitores brasileiros, a afirmativa sobre as mentiras que o resenhista abordou e que citei aqui, no primeiro parágrafo. Há aspectos mais profundos sobre fatalidades, perdas de tempo, passividade e outros. Tudo no livro poderia importar mais para “as leitoras brasileiras”, do que para o homem brasileiro, já que me parece bastante difícil que um homem daqui vá interessar-se pela narrativa, pelo menos, já que pelas abordagens psicológicas menos ainda. O quase relato é dirigido, ao meu entender, para um público feminino. Não se apresenta de forma a acrescentar algo de prático para o homem moderno, nem no Canadá e nem em alguma parte do mundo, mormente no Brasil.
Mas considerei e considero mais importante dizer que nenhuma mulher no mundo, até os quarenta anos, no máximo, deve deixar de lê-lo. E por que? Porque depois dos quarenta já será tarde, se houverem enveredado pelos mesmos caminhos de submissão e predeterminismo do destino em que incorreram as personagens. O que mais chamou-me a atenção foi “como lidar com as perdas” de um modo realista e este é um ponto forte, que se projeta acima do sentimentalismo da mulher brasileira.
Serve o livro como exemplo, não do que fazer, para a mulher mundial, mas do que não fazer, talvez, em maior ou menor proporção, para não chegar ao fim da vida com as mãos vazias
Lendo o livro você vai entender que a felicidade não é uma loteria, mas que é preciso saber jogar um jogo mais prático, talvez um Xadrês, para construí-la.