“O doutor Lopes Matoso não foi precisamente o que se pode chamar de um homem feliz.”

Como um curto primeiro parágrafo, começamos a jornada por uma das pérolas mais valiosas do romance naturalista do filólogo Júlio Ribeiro. Publicado no fin...
al do século dezenove (1888), ele se chocou contra a hipocrisia de uma tosca sociedade brasileira ao apresentar uma personagem despida de pudores e fora da margem da respeitabilidade feminina da época: Lenita, alcunha da personagem Helena Matoso.

Numa sociedade paulista tradicional, a personagem Lenita chegou como uma revolução não desejada. Caminhando à beira do erotismo, cedendo à febre da libido, mostrando-se viva e capaz de decisões independentes, Lenita incendiou o ódio carola dos críticos conservadores no último suspiro do segundo reinado. A proclamação da república só aconteceria no ano seguinte, mas Lenita se antecipou ao proclamar a semente de uma mulher desejosa de liberdade.

A forma do romance é impecável, talvez não pudesse deixar de ser, Júlio Ribeiro era gramático e um estudioso da língua pátria tido em alta conta no círculo linguístico daquele período.

“A carne”, rompeu a fronteira moral do seu tempo com a exposição sobre sexo, nudez, perversão e arroubos libidinosos. Tudo isso lhe rendeu uma enxovalhada de críticas negativas e até mesmo repulsa intelectual.

Há no livro a cena de um suicídio que traz uma descrição tão intensa e dramática que adere às nossas emoções de forma irremediável. Talvez, o ponto magistral do enredo, quando o suicida, ao sentir a vida escorrer, se arrepende do ato. Um momento magnífico da virtuose do autor.


Dedicado ao “príncipe do naturalismo” Emile Zola, o ardente romance entre a crepitante Lenita e o seu introspectivo amante Manuel Barbosa escandalizou e tornou eterna esta grande demonstração rebelde da literatura brasileira.


 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 01/04/2014
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