Literatura e linguagem social
Todo tipo de escrita apresenta certo significado expressivo de discurso, o que pressupõe determinada ambivalência entre os conceitos do escritor e os da sociedade que são resultantes do intercâmbio de experiência de diálogo sobre ações vivenciadas pelo indivíduo ao longo das mudanças pessoais e sociais.
A especificidade da arte dialoga com a análise crítica da contradição do mundo ocidental com o fluxo da cidade, o qual resulta em coisa nova e um novo modo de vida, Assim, o artista do cotidiano se organiza de maneira citadina, já que possui o modo artístico de se fazer moderno. Essa nova experiência estética desestabiliza o olhar crítico do artista quando o princípio moderno da comparação – entre dois autores, por exemplo – entre em choque com algo mais clássico, cujas experiências seriam reduzidas ao comum. Percebe-se que há uma singularidade irredutível em relação a essa diferença entre dois momentos – o clássico e o moderno – que são comparáveis. No entanto, não se deve apenas intencionar uma analogia entre dois autores para se chegar a um ponto comum: deve-se achar a diferença de cada meio de expressão.
A comparação entre diferenças ou entre o que é comum permite saber qual é a singularidade das artes e a literatura de identidade (ou identidade da literatura), ou seja, os dois lados da arte: por exemplo, através da mimese se alcança a representação do que está na realidade por meio de um estreitamento do que está no mundo exterior tal como ele é e, assim, permite-se fazer uma arte figurativa com contornos mais nítidos, embora haja a singularidade de cada meio artístico por haver espontaneidade própria nas diferentes formas escolhidas pelo autor.
O que se percebe em qualquer um desses meios é como ocorre a transformação do fato literário em fato social ou vice-versa, algo que cria muitos problemas tendo em vista que alguns teóricos conceituam o literário como algo individual. No entanto, é correto afirmar que, para se fazer qualquer tipo de expressão artística, deve-se estar à frente da sociedade e tomar pontos sociais para que possa transformar atitudes próprias – resultado do convívio e interação social – em arte. O fato literário se constrói na literatura por meio do discurso originado pelo processo social que abrange a interação entre a vida social e individual do escritor e uma comunidade de leitores envolvidos para alcançar expectativas (heterogêneas ou homogêneas).
Dentro do sistema literário o que se encontra é uma relação entre o código geral e o individual: a produção das fantasias geradas pela inserção de códigos é motivada pela força de cada um, ou seja, o registro do código escrito vem do querer-escrever próprio a fim de debater ideias e experiências pessoais. No entanto, o intuito dessa ação é partir de algum ponto que não estabeleça como critério um ponto de vista da realidade, pois o ficcional não se forma, a priori, somente por uma tomada de conhecimento sobre o que é verdadeiro e falso, ou seja, o processo de escrita é uma narração de (a)fatos por ser um processo de formação histórica através do qual nos permite saber a “realidade” de cada período de cada momento histórico. Logo, o discurso ficcional parte não de uma ausência de realidade, mas de um modo habitual de ver tal momento, o que resulta em uma neutralização de referências com as quais se começa um livro e essas alusões ajudam a criar modos de percepção individual e social do escritor (diferentes para cada um) e o desenvolvimento das particularidades da forma literária.
Essa ambivalência ausência-presença permite saber até que ponto se pode estabelecer semelhanças e diferenças na maneira crítica de produzir e representar determinados fatos, cuja narração passa por meio de uma parcialidade e desajustes que é consequência de uma memória fragmentada do escritor. Nesse caso, vale ressaltar que o valor literário é visto como fator primordial (ou quase) para inserção do discurso na atividade literária a qual parte, primeiramente, de uma raiz ficcional para depois se relacionar a algo meta-histórico, embora haja afinidades entre esses aspectos.
A literatura, por meio de suas diversas formas, mostra como a especificidade e articulação das ideias ocorrem ao lado de uma linguagem social a qual se modifica sob o ponto de vista de cada contexto e de cada escritor. Então, os textos literários sofrem essa autonomização devido à existência da fronteira entre o que é social e o que é individual, ou seja, dentro de uma dimensão histórico-sociológica que está próxima de uma ideologia, fato que permite o debate tanto sobre uma dimensão autônoma e intelectual do autor como de um processo social na escrita literária.