Da Vida, os Ruídos
Sempre escuto, em toda a parte, a repetição do óbvio. Não quero ouvir o sermão das longas caminhadas, onde os homens continuam se iludindo. Quero mesmo é ouvir o som dos apaixonados, dos poetas, da noite chuvosa, da porta se abrindo e dos ritmos que não imagino: os ventos ao abismo dos ruídos, como demonstra Helena Kolody, “O vento harpejava, / pianíssimo, / nos fios telegráficos. / A tênue onda sonora / vibrava na luz do dia. / Abelhas de sol zumbindo na tarde quieta.”
Quero ouvir as vozes da juventude e dos pássaros ao conversarem sem medo de lembrar os ruídos da vida, como em Stella Leonardos, “...Que ritmo o que me rege? / Porque vozes me abalam / na inquietude que levo, / ...nas estradas que falam, / no meu sonho disperso...”
Conversar? Tudo escuto e nada compreendo. A vida se apresenta assim, ouço os ruídos e persigo imagens poéticas. Por isso, meu coração se intromete quando vê a bailarina passar e o seu corpo dobrar no palco do entardecer, ao som do luar. Segundo Pedro Du Bois, “... a bailarina / estática / na cena / imóvel // no estupor da platéia / o aplauso / se espalha / no inusitado”.
Retrato-me aqui, preservando a bailarina esculpida em seus passos, seus ruídos, seus rumos e na sua originalidade ao anunciar revela-se ao som da orquestra e dos aplausos. Sonia Regina escreveu, “não há canduras em névoas/ mares não rugem...// O sax desamarra fitas e laços // pés apalpam, da vida /mais que o rigor. / e experimentam //dançam nas asperezas aplainadas...”
Por aqui estou porque tenho voz, no entanto, escuto sorrisos, crianças e ruído dos gritos. Nas palavras de Artemio Zanon, “este ruído / de coisas machucadas /é a imagem morrente / da sementeira / pronta a se manifestar // Este ruído é brocar das raízes / possuindo a terra...”
Choro a dor da liberdade quando vejo a bailarina em sua ascensão fazer um único voo e cantar uma só vez, então revoo para o canto das lamentações para ouvir a voz no silêncio e os ruídos da vida.