PÓS-MODERNISMO E RESISTÊNCIA - I
PRÓLOGO
Nas últimas décadas da contemporaneidade literária tem-se assistido a uma aturada diáspora em busca de novas formas artísticas estruturais. Mas, por estranho que pareça, o fenómeno mais evidente que testemunhamos assenta, à priori, numa inesperada despersonalização das formas de arte mais tradicionais.
Por inabilidade crítica e, ainda mais, por inadaptação aos sinais paradigmáticos no que concerne à sensibilidade e à clarividência estéticas, tem sido patente – na maior parte das manifestações artísticas da actividade humana – a constatação de um profundo défice de imaginação, de originalidade e de criatividade, isto é, a ausência de uma estrutura identitária que valorize e conceptualize os tempos actuais.
O fenómeno a que todos assistimos – comumente apelidado de pós-modernismo – enferma de um lamentável seguidismo e, mais que isso, de um humilhante servilismo relativamente à denominada “economia de mercado”, secundarizando a qualidade do objecto de arte em nome da ideologia de oportunidades. Todos têm consciência de que persiste nos movimentos artísticos – pautados pela insensível lei da concorrência – o império da desumana quantidade, sem que sejam salvaguardados aqueles outros ingredientes que garantam a mínima e justa qualidade.
Estamos perante uma época não só descaracterizada, revelada pela não-identidade, mas também sedimentada, quanto baste, numa fragmentação sem nenhum sentido estético consistente e, por isso mesmo, descontextualizado.
Na vertente que nos ocupa – a arte poética – todas as formas emergentes do “pós-modernismo” têm sido subjugadas grosso modo pela rejeição da tradicionalidade na Arte.
É certo que, na literatura poética, são variadíssimas as formas e os modelos artísticos em uso. Trata-se tão só de uma observação crítica analógica entre os fenómenos comuns da sociedade humana e os fenómenos da sensibilidade permanente patenteada pela própria Natureza. Todavia, é típico que a filosofia pós-modernista tende a reduzir toda esta dinâmica, por cómoda falta de racionalidade, a um monismo estético paradigmático. A motivação que dá suporte a esta mentalidade pragmática é a simplista argumentação em prol de uma ideologia libertária que descomplexe toda a praxis poética.
Assim observamos, quotidianamente, em todos os escaparates das “redes livreiras democráticas” a proliferação de uma literatura verdadeiramente desinserida, salvo raras excepções, dos modelos mais comuns e consagrados: nada de rimas, nada de métricas, nada de formas clássicas ou tradicionais, nada de… nada. Apenas expressão escrita instintiva e de produção espontânea, inspirada quanto muito em arroubos de uma circunstancial emotividade.
Em suma, quando encaramos um texto (dito poético) ficamos sem saber ao certo se se trata verdadeiramente de poesia ou, apenas e só, de “prosa fragmentada” mais ao menos arrumada aleatoriamente.
Que fazer? Que caminhos percorrer, para minimizar esta alucinada corrida para o que alguns críticos e ensaístas de nomeada denunciam como a “paixão do caos”?
A metodologia, quanto a nós, terá de partir da leitura aturada da poética dos clássicos – antigos e modernos – sem deixar, todavia, de acompanhar as tendências em curso e, a partir de uma praxis selectiva aturada, procurar experienciar exercícios imaginativos dentro da gama variadíssima que a arte poética nos propicia. Se o fizermos, por certo que encontraremos o melhor caminho da criação.
A nossa proposta assenta, acima de tudo, na opção a fazer quanto às apostas em jogo da arte poética, privilegiando algumas das qualidades mais carismáticas da Poesia, a saber, o ritmo ou cadência, a musicalidade, a imagética literária, a emoção quanto baste e a conjugação harmoniosa da palavra discursiva. Para isso há que reconhecer na Poesia – sendo como é a respiração da alma – o sentir da relação entre os seres. Deverá, ela mesma, assumir uma permanente preocupação prioritária, sabendo-se que o seu devir criativo encarna esteticamente uma metamorfose perene.
Um verso, em si, só é verdadeiramente um verso, quando constitui ele mesmo a projecção dos sentimentos da alma. Um poema, no seu todo, deve ser aquele edifício sublime onde moram as palavras procuradas e achadas, harmonizadas pela visão estética do poeta que lhe dá a vida.
Frassino Machado
In PARA ALÉM DA POESIA
In LIRA BEM TEMPERADA