A arte de bem escrever

A ARTE DE BEM ESCREVER

Miguel Carqueija

Desde criança eu leio livros e tive o privilégio de ler grandes autores em quantidade. O hábito arraigado da boa leitura acaba nos ensinando a discernir os truques e as técnicas que valorizam um texto, bem como as deficiências e os cacoetes que podem prejudicá-lo.

Para quem esteja se iniciando na ficção, tentarei expor algumas diretrizes mesmo sabendo de minhas próprias limitações após mais de três décadas de escrita ininterrupta. Por exemplo, eu tenho o cacoete de repetir palavras na mesma frase ou parágrafo, o que em geral deve-se evitar. Como primeiro manuscrito e depois digito, é na hora de digitar que consigo expurgar muitos dos meus erros.

Esse é um conselho que dou aos jovens autores ou não tão jovens, mas que almejem o aperfeiçoamento de sua técnica: não joguem seus enredos diretamente do cérebro para o computador. Primeiro escrevam a caneta, em cadernos escolares. Não julguem que isso é primitivo: creiam, é mais humano. A sua letra é uma coisa única, como garante a grafologia, mas os símbolos na tela são iguais para todo mundo.

Ao desenvolver o enredo, evite o excesso de explicações didáticas. O próprio enredo deve elucidar a situação, os diversos macetes do universo ficcional por você criado. Dar aulas de História ou coisa que o valha num conto ou romance quebra a “suspensão da incredulidade” que deve permear a leitura. É fazer pouco da inteligência dos leitores.

Outro grande problema é a mania que muitos escritores têm de resumir a trama, contando tudo de forma apressada, de modo que até os diálogos deixam de aparecer. Não estou me referindo a Lovecraft, que não fazia uso de diálogos mas também não resumia suas histórias, enchendo-as de detalhes alucinantes; mas estou sempre esbarrando com esses entrechos resumidos. No meu entender a melhor narrativa é a cinematográfica, que descreve cenas e personagens com vividez. É o detalhismo, o minimalismo, que porém precisa ser bem dosado para não tornar a leitura arrastada e chata.

Aconselho também a entremear humor nos textos. Não é preciso que a história seja humorística, mas o humor acompanha a vida humana real, pode muito bem aparecer na ficção científica, na fantasia, no conto fantástico, no terror. Alguns enredos são por demais densos e podem passar sem humor; mas uma narrativa de aventura, por exemplo, ganha muito com alguma comicidade. Personagens estranhos ou esquisitos, frases irônicas ou sarcásticas, situações inusitadas. Às vezes, uma situação bastante séria é amenizada por um personagem estrambótico, é o contraponto humorístico, recurso também muito usado em filmes. Na minha novela “A Esfinge Negra” este contraponto é representado pelo Rufus King. Logo na sua primeira aparição o texto afirma que ele era “um sujeito de tipo comum: verde-claro com bolinhas azuis” (deduz-se: comum, na época em que a história se passa).

Não recomendo descrições minuciosas, freqüentes e obsessivas de ações sexuais nem sempre normais ou relatos minuciosíssimos e sádicos de torturas e violências. Alguns autores se comprazem nessas coisas, sem atentar que chocam a maioria dos leitores. Atentem que grandes nomes da ficção científica e fantasia, como Clifford D. Simak, Poul Anderson, Arthur C. Clarke, Ray Bradbury, Júlio Verne, J.R.R. Tolkien, J.K. Rowling e tantos outros, nunca se rebaixaram a isso.

Por fim, recomendo a escolha de uma linha. Se possível freqüente vários gêneros, vá chegando neles aos poucos, como eu fiz. Mas veja o tipo de assuntos, de personagens e de enredos que você prefere. Não esqueça, também, que a literatura deve ter conteúdo e mensagem; o escritor deveria se conscientizar que o seu ofício pode mudar o mundo, para melhor ou para pior.

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Para finalizar, recomendo algumas obras exemplares que podem servir de farol para os que desejam se aperfeiçoar nas letras: "Grande sertão: veredas", de Guimarães Rosa; “1984”, de George Orwell; “A Sociedade do Anel”, de J.R.R. Tolkien; “O eterno Adão”, de Júlio Verne; “O macaco e a essência”, de Aldous Huxley; “Onde mora o Mal”, de Clifford D. Simak; “A nuvem negra”, de Fred Hoyle; “O homem que calculava”, de Malba Tahan; “Os manejadores de títeres”, de Robert Heinlein; “Manuscrito encontrado numa garrafa”, de Edgar Allan Poe; “Escala entre os vivos”, de F.Richard-Bessière; “Eu, robô”, de Isaac Asimov; “Estrela Kets”, de Alexandr Beliaev; “Inconstância do Amanhã”, de F.G. Rayer; “Harry Potter e a pedra filosofal”, de J.K.Rowling; “Viagem ao fundo do mar”, de Theodore Sturgeon; "Crime e castigo", de Dostoievski.

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"O estigma do feiticeiro negro", de Miguel Carqueija e Melanie Evarino, é um romance de fantasia que narra as aventuras de uma heroína elfa, Gislaine Pétala, e seu dragão de estimação Morte.

Publicação da Editora Ornitorrinco. Maiores informações nas páginas da editora e da Livraria Cultura, e outros locais da internet.