ACERCA DA ARTE DO SONETO

por

Assis Machado

É porventura a forma poética mais conhecida no mundo literário. Mas também, certamente, uma das mais complexas e sensíveis formas de criar poesia. Na realidade, não existe poeta ou poetisa que se preze, que não tenha alguma vez tentado utilizar-se desta forma de escrever verso.

É evidente que há alguns poetas que o conseguem levar a cabo com bastante mestria e inspiração mas também há aqueles ou aquelas que, ao fazê-lo, mais não conseguem do que desvalorizar e desprestigiar a ARTE POÉTICA… o que constitui, quanto a nós, um dos fenómenos mais comuns e banais da Poesia.

Ora a forma poética SONETO, se o é – e desde já se diga que é, sem dúvida, a mais popular em uso – terá de se assumir como tal, isto é, deverá obedecer às regras que, desde há séculos até hoje, sempre se tem respeitado literariamente. Para resumir grosso modo esta questão sintetizarei, esquematicamente, as variantes mais conhecidas e utilizadas pelos grandes sonetistas das mais diversas nacionalidades.

1. A “primeira identidade” que corresponde ao «modelo soneto» é que se trata de um conjunto de catorze versos. Tem sido quase sempre desta forma que os poetas escrevem ou compõem os seus sonetos, desde que, em Itália foi criada, na Baixa Idade Média. Comummente aceita-se que terá sido Francesco Petrarca, em plena Renascença, o grande divulgador (não criador…) desta Arte;

2. Em Portugal foram, respectivamente, Sá de Miranda e Camões os seus grandes seguidores. Além deles, poderemos citar como grandes cultores sonetistas, entre outros, Bocage, Antero de Quental e Teixeira de Pascoaes;

3. A “segunda identidade” mais usual é que o Soneto é constituído por um conjunto de quatro/três estrofes de versos: duas quadras e dois tercetos (forma clássica italiana) ou três quadras e um dístico final (forma inglesa, popularizada por W. Shakespeare, no século XVI);

4. Quanto à disposição das referidas estrofes por vezes têm sido apresentadas de forma aleatória pelos poetas: começando pelas quadras ou pelos tercetos e até pelo dístico ou, mesmo, de outras formas mais ou menos variáveis… mas mantendo sempre os catorze versos; frequentemente vê-se poetas a usar o soneto com duas estrofes de seis versos (sextilhas) e um dístico e, até, os catorze versos em bloco (uma só estrofe); muito comum também o chamado “soneto invertido” (primeiro os dois tercetos e depois as duas quadras);

5. A “terceira identidade” refere-se ao número de sílabas (poéticas) de cada verso. É por ventura aqui que reside a grande diversidade poética: desde versos com cinco sílabas (redondilha menor) ou sete sílabas (redondilha maior) – denominados sonetilhos – até aos decassilábicos (forma conhecida por “clássica”) e aos dodecassilábicos (os célebres “alexandrinos”); há poetas que escreveram noutro tipo de versos, embora sejam estes os mais usuais;

6. Quanto à forma de rimar “quarta identidade” tem-se visto muitas estratégias poéticas, variando conforme a sensibilidade e musicalidade do texto (daí se chamar «soneto»). As rimas (nas duas quadras) poderão ser:

a) Cruzadas (a, b, a, b); interpoladas (a, b, b, a); emparelhadas (a, a, b, b) e, até, doutras formas, menos usuais;

b) Nos dois tercetos, vemos também muita diversidade: c, c, d/ c, c, d; c, d, c/ c, d, c; c, d, d/c, d, d; e, f, e/ f, e, f; etc.;

c) No dístico, normalmente, os dois versos são emparelhados.

d) Ainda, quanto à rima, existe a “rima soante”, isto é, formada por sílabas de som idêntico; e também o designado soneto de “rima branca”, quer dizer, sem qualquer rima;

e) Foram também descobertos, entre outros, sonetos formados em versos sempre aparelhados: a, a/ b, b/ c, c/… etc. e também sonetos formados por quatro tercetos e um dístico, embora pouco usuais.

7. A “quinta identidade” refere-se à métrica (escansão). Ora é, precisamente, aqui que reside quase sempre a maior dificuldade, ou confusão, dos badalados sonetistas. Das duas, uma: ou se seguem as regras tradicionais (e vem ao de cima, com certeza, toda a mestria da «arte do soneto») ou, então, não se liga nada a isso e do soneto emerge uma “mancha poética libertária”, quer dizer, despersonalizada na sua própria estrutura.

Nesta prerrogativa reside, quanto a nós, a verdadeira identidade do Soneto. Na MÉTRICA consubstanciam-se as duas grandes qualidades poéticas: o ritmo do verso e, principalmente, a musicalidade dele mesmo. Assim, ao compor os seus versos, o poeta sente necessidade (pela analogia da linguagem falada do ser humano) de os ritmar e musicar de uma forma harmoniosa construindo, desta maneira, toda a beleza da arte poética literária.

As dinâmicas mais usadas na métrica do soneto clássico (quer italiano ou inglês) e do alexandrino, são as seguintes:

a) Acentuação na 6 ª e 10 ª sílabas (heróico); acentuação na 4 ª, 8 ª e 10 ª sílabas (sáfico); 4 ª, 8 ª e 12 ª sílabas (alexandrino).

b) Apesar de serem as mais comuns, todavia, existem outras variantes.

Concluindo, cada verso constrói-se, dentro de uma estrutura métrica dinâmica, indo à procura de um outro “verso irmão” (que consigo rima) na mesma musicalidade. Se assim não for, o Soneto perde a sua beleza, descaracteriza-se e deixa de ser ele mesmo.

8. Quanto à “sexta identidade”, a menos conhecida, mas que já teve mais actualidade, diz respeito precisamente ao número de versos que fazem parte do Soneto.

Para lá dos tradicionais catorze versos tem havido poetas que “completam o Soneto” com uma ESTROFE ESPECIAL final que o enriquece e valoriza. O objectivo é dar ao Soneto uma maior profundidade e abrangência literária. Trata-se de uma estrofe de “sentido universal” ou, até, de um “vocativo”. A esta estrofe (antigo estrambote) se dá o nome comum de COROA ou CODA. Não confundir com a conhecida «Coroa de sonetos» ou «Grinalda» de tema comum, vulgarmente conjuntos de cinco, dez ou mais sonetos, escritos sobre um certo assunto.

Sendo assim, o Soneto poderá, segundo os especialistas, ser constituído por DEZASSETE VERSOS e, nalguns casos, por vinte.

Nota final – Após as primeiras décadas, do século XX, referentes ao surgimento do Modernismo Literário e, ainda mais, durante o chamado Pós-Modernismo do último quartel do mesmo século, vem-se assistindo à chamada «Literatura Livre» que defende que a ESCRITA não deve estar sujeita a normas rígidas nem a formalidades preconcebidas. Este fenómeno tem sido considerado, pelos grandes analistas e pensadores da actualidade, como um dos grandes síndromas no campo da Cultura e da Arte.

Os dois grandes factores que subjazem a este fenómeno são, sem dúvida, a decadência do SENTIDO DA ARTE, subalternizando o empenhamento intelectual e, pior que tudo, a predominância da Economia de Consumo. Factores que, quanto a nós, têm vindo a resultar cada vez mais num alargado e banal desinteresse pela Literatura e, em especial, pela POESIA.

Assis Machado

Frassino Machado

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FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 30/08/2013
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